Biblioteca
Parte um.
Homens são nojentos. São o tipo de animal que faz você cruzar a rua para não dar de encontro com seus caninos. A diferença entre homens e cachorros é meramente vetorial, são sinônimos e talvez por isso sejam seus respectivos melhores amigos. Ambos sentem cheiro de sexos á metros de distancia e saem metendo o focinho em qualquer vala pubiana.
De onde estou sentado, consigo olhar para dois deles. O primeiro cerca de trinta e cinco anos, pele quase escura, quase calvo, roupas claras, sociais. O segundo estudante, não mais de vinte um, talvez vinte e dois anos. Cara espinhenta, roupas comuns, talvez não custem ao todo sessenta reais. Ambos os animais espreitam a mesma presa. Uma jovem sentada na parte superior da biblioteca onde ficam aquelas mesas, na verdade quase cabines de leitura abertas e direcionadas a parte principal da biblioteca. Ela deve ter seus vinte e três anos e alguma tinta no cabelo, provavelmente ultimo ano de faculdade, sapatos vermelhos, saia na altura dos joelhos. A maneira como essas “cabines” de leitura ficam dispostas dentro do recinto, em tese deveriam ser proibidas a moças de saia. Mas está mulher em questão está lá sentada, sem se importar. Olhei para ela algumas vezes, o suficiente para notar que nada a distraía. Já os homens que descrevi mudavam seus passos para tentar encontrar alguma calçinha entre aquelas pernas cruzadas.
Pateticamente situada logo acima da sessão “auto-ajuda” a moça ameaçava descruzar as pernas e o homens mais velho levantava, caminhava até a sessão, encarava algum livro enquanto esperava que a mulher lhe desse um prêmio. Após alguns minutos ele se cansava e voltava se sentar, mas de frente para as pernas da mulher. Questão de um ou dois minutos depois o rapaz mais novo se aproximava da sessão, olhava para o estande, pegava um livro, abria e começava a ler enquanto cuidadosamente levantava o pescoço em direção às pernas da mulher.
Por mais de meia hora os personagens se revezavam. Fiquei instigado a levantar e caminhar em direção aos prazeres da auto-ajuda, mas sempre com algum receio de que algum conhecido me encontrasse naquela parte da biblioteca e como explicaria minha presença naquela sessão?
Estava terminando triangulo das agulhas, de Caio Fernando Abreu e observei por mais alguns minutos os personagens, imaginando o que aconteceria caso algum dos dois conseguisse ver o pote de ouro entre as pernas da mulher. Supondo que existe uma diferença de vida entre o rapaz de cara espinhenta e o homem social, qual seria o impacto em suas vida caso a menina abrisse suas pernas e lhes presenteassem com uma ausência de roupas intimas. Ex: o rapaz de cara espinhenta poderia estar tendo o momento auge da semana em plena segunda feira, pode ser o mais próximo que este chegue perto de uma calçinha ou do que se encontra dentro dela. esse teria muito argumento de auto ajuda para a semana. Já o homem pode estar tendo um dia ruim, uma semana, um mês ruim e de repente na irônica sessão de “auto-ajuda” encontra alguma felicidade, até se achando sagaz de estar no lugar certo e na hora certa quando alguém sem querer lhe mostrou sua surdina. E a moça? Que não esboçou sinal algum sobre o que lhe acontecera mesmo que de forma alheia e isenta às suas próprias forças, alem do fato de ter saído de casa usando uma saia bege, isto é, supondo que exista uma calçinha é claro, mas nunca saberemos.
Acabo o livro, levanto e caminho até a porta. No caminho olho a sessão de escritores estrangeiros mais procurados e ouço pai e filha discutindo sobre a indecisão da menina para com os livros que levaria. Seu pai aparentemente irritado e falando a hora que era no relógio da sala da biblioteca sugere a menina que leve um livro de Paulo Coelho que está na lista dos mais procurados. A menina suspira e retruca o pai: “ta maluco? Eu não gosto de Paulo coelho”. Certamente ele não sabe que sua filha está passando pelo ritual adolescente de afirmação pessoal e mesmo que Paulo Coelho fosse um bom escritor, o que de fato não é sua filha nunca pegaria um livro por sua escolha. Começo a rir e a senhora ao meu lado, com Falkner nas mãos também ri e diz “que beleza de dialogo...” resumindo a relação de pai e filha na biblioteca.