casa, parte 1
“-Todo mundo precisa fazer alguma coisa. Todo mundo precisa estar vivo. Mais que isso, todo mundo precisa dizer que está vivo. É nessas horas que sinto realmente medo, quando saio de casa para não enlouquecer, desenhar uma linha e desta fazer suas duvidas “morro na rua ou enlouqueço na minha casa?”. Não há meias opções. Você sai e reza para que uma bala perdida te acerte, escolhe as ruas mais escuras na esperança que alguém mais maluco que você estoure tua cabeça. Aparentemente tudo muda quando você sai, a noite sempre acaba com alguém cheio de vida te olhando como se você fosse um homem bom, e deveria dizer “não sou bom”, mas você no fundo sabe que se abrisse a boca e falasse de dor, acabaria estragando a noite de alguém e não vale a pena estragar um sorriso, alem de que pintar personagens ainda é minha especialidade. Você liga para seus amigos e eles parecem tão satisfeitos em suas próprias vidas, que é inevitável constatar, o que você tem a ver com eles? quando é que essas pessoas tornaram-se seus amigos? Os deixe em paz, escolha uma árvore, uma carro atravesse o sinal, uma outra canção erá mais fácil, algo que o leve pra longe, ou então um lugar perigoso, porque para pessoas como eu, não há lugar mais perigoso que a própria casa.”
Sabe aquelas cenas de táxi driver em que o de niro fica no quarto pensando merdas que resultam na parte legal do filme? Ontem eu era travis. Entrava aqui, sentava nesta cadeira e começava escrever e pensar merdas, merdas incríveis. Um frustrado de merda num feriado de merda no fim de uma semana de merda. Se tivesse uma arma provavelmente teria feito àquela cena “está falando comigo???” mas não tenho arma, nem espelhos, nem se quer me toquei que estava no mesmo roteiro. Uma coisa meio Bruce Springsteen nebraska, a canção em que bruce entra na pele de um assassino, e se pergunta se ele fora sempre mau ou em um dia de fúria, Micheal Douglas se pergunta la pelo fim, “quando é que eu virei o bandido?” ambos personagens, Springsteen e Douglas encontram-se encurralados por uma coisa que eu chamo falta de amor. Não amor próprio, ou amor bonitinho. Só amor, afeto, essas coisas que mantêm a nossa cabeça no lugar. Eu canto o tempo todo sobre isso, sobre seres humanos que se perdem por confiar de mais na ajuda alheia, num momento você tem tudo e sua vida está bem, mas ai uma coisa sai do lugar e todas as outras para o buraco.
Não me sinto bem em dizer que estou na mesma situação dos meus personagens, não sou o tipo que se leva a serio, quer dizer, eu levo cada ato do que eu faço a serio, mas não me levo a serio, isolo eu do que eu faço. Não porque como diz Tom Petty, “as vezes você tem de se foder pra que os outros se sintam melhores perante sua existência inutil”, mais ou menos como aquelas pessoas que tem de estragar seu dia ou aquelas que acham que coisas ruins só acontecem com você. No meu caso, não consigo me abrir com ninguém, é simples, não consigo falar sobre a avalanche que entrei e bem, eu poderia acusar os outros falando que todo mundo anda tão superficial que seria irrelevante falar que os problemas da minha vida não mais envolvem ex-namoradas, roubos de corações alheios ou mesmo contas para pagar. É claro como todo mundo, superestimo minhas tragédias, na esperança de que quando a poeira baixar elas acabem sendo menores do que realmente são. Não consigo falar sobre o que eu passo, e sinceramente se as pessoas ao meu redor não conseguem ver o quanto não estou legal, acho que atuo muito bem, ou elas, todas elas tem lá seus olhos de vidros bichados. Mesmo quando escrevo não gosto de colocar tudo de maneira aberta, pelo motivo que ainda acredito numa diferença entre o que é triste e o que é deprimente e definitivamente existe uma diferença entre elas e está na cabeça de quem observa. Depende de quem estamos falando, do quando você viveu e o quanto conhece da vida. É engraçado quando o passado está ali escrito e gravado, laudas e laudas de palavras e você antes via tudo como 1% seu, algo isolado, algo que você viu na tv e que passava distante de você. Agora ela é sua vizinha e empresta seu açúcar vez ou outra.
Existe um filme europeu muito ruim chamado “no limiar da esperança” que numa ótica blasé é muito parecido com táxi driver e um dia de fúria, a diferença é que quando o autor teria uma justificativa apropriada para cometer qualquer atrocidade, não acontece nada o filme todo e você fica frustrado porque as vezes você se sente afim de quebrar coisas, ser um cara com uma arma no alto de um prédio mas não faz isso porque o contrato social te impede, ou sei lá, medo talvez. O fato é que um filme sobre loucura tem que se resolver com loucura. Porque na vida isso não é possível. Assim como nos filmes os monólogos se acentuam por causa da solidão, pessoas como os personagens desses filmes não são muito diferentes de eu, de você, do cara que dorme ali na esquina e toda vez que passo ele resmunga alguma coisa. Todo mundo precisa fazer alguma coisa. Todo mundo precisa estar vivo, mais que isso todo mundo precisa dizer que está vivo.