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:)

Nossos trinta dias sobre o sol.

Parte 1

Começo a realmente acreditar que Deus é um ser de extrema ira. Deus não amoleceu por causa de seu filho. Pelo contrario, continua punindo com ainda mais severidade todos os seus filhos, um a um a sua virtude, como no velho testamento. Eu, eu ele fere dando e tirando coisas. Ele sabe que eu acredito e logo questiono suas atitudes.

REZA.

hey deus, agora sei como fazer você ouvir, me diz se é só mais um segundo, se este é o ultimo aqui. E ai então teremos vencido e encontrado abrigo, me diz se ela pensa em mim, se ela pensa em mim.

Acho que isso é um sinal, bem acho que agora já são dois, por favor, eu te peço, talvez um dia, só pra nós, e um tanto de coragem, um tanto de coragem.

eu vejo tudo dando voltas e porque ainda estamos no mesmo lugar?.

Por favor deixe me descer na mesma estação que ela escolher.

No fim é tudo de mentira, faz de conta, de ilusão, mas não quero nem saber, não quero nem saber, deixe me descer, na mesma estação que ela escolher.

Enquanto estou dentro deste caminhão, vi três acidentes. Em um deles, dois carros explodiram. “-será que estão mortos?” Não eu não pensei em momento algum nas vidas, pensei no ferro quente e nas chamas que ainda haviam. Meu pai é muito impressionável com estas coisas. Faz dez anos que ele trabalha como caminhoneiro, depois de tentar de tudo, resolveu aderir aos negócios da família da minha mãe, transporte rodoviário. Meu avô pôde se orgulhar durante muito tempo de ser uns dos primeiros caminhoneiros da cidade, de ter carregado postes de luz quando não havia luz por ali. Ele tinha fotografias em plena selva amazônica na época de Chico Mendes, dando leite a uma onça, convivendo com pessoas tão diferentes que na minha infância, dizia aos meus amigos que ele havia viajado o mundo todo e sim, para o filho único de mãe solteira que sou, o “nono Alcides” (como ele se auto-referia quando falava com os netos) foi o primeiro herói. Mas então ele morreu num acidente de caminhão há nove anos atrás e a família desmoronou e bem, impossível não pensar nisso toda vez que vejo um caminhão.

Não como carne vermelha há três meses. O ultimo pedaço de carne que vi no meu prato foi no dia 25 de dezembro, hoje, 28 de março, estou sentado numa churrascaria enorme, dessas lotadas de viajantes e não tenho a menor vontade de comer toda essa carne que me é servida. Estou indo para casa curar minhas feridas e minha cabeça. Estou branco, estou pálido, estou fraco e me servem sangue, o que sou? um vampiro? Meu pai pede o rodízio, eu fico com o bifê, dois pratos, um para a salada, alface, cenouras, ervilhas. Não sou vegetariano, alias, acho uma tremenda ofensa ser vegetariano, quando muita gente se mata trabalhando pra poder comer um pedaço de carne num domingo por ex. A vida de meu pai (na verdade meu padrasto, mas isso não importa) é fascinante, cheia de detalhes e longas historias, acho incrível como ele consegue ficar horas sem falar com ninguém, ele não tem cara de quem fala sozinho, não como eu que converso com um “cara” o tempo todo. Eu nunca o ouvi na frente da televisão falando ou reclamando sozinho, a menos que ele quisesse que a mãe ou eu ouvisse, mas se acaso ele fale sozinho enquanto dirige, deve ser por pura solidão. A estrada é fascinante. Se eu tivesse coragem, queria virar caminhoneiro e escrever sobre essa coisa de conhecer tudo.

Estou voltando pra casa porque estou doente. Mais um pouco e mataria pessoas com muita vontade. Lembram aquela historia sobre assassinos em potencial? Então vou dar dois exemplos: um: O senhor de trinta e poucos anos na fila do supermercado reclamando do atendimento para o menino do caixa. Ele descarrega toda sua insatisfação diária no menino que diz “sim senhor, sim senhor...”, sempre há um desses toda vez que estou na fila do caixa rápido. Dois: O menino do caixa. O cara ouve, ouve, ouve, ouve, ouve até que um dia traz um revolver na bolsa e mata todo mundo. Espero que eu não esteja na fila neste dia. Mas bem, eu estava como este segundo caso, tudo que eu tentei deu errado. Perdi meu emprego, minha namorada, minha mãe ficou doente, minha banda terminou sem ao menos começar, vendi minha guitarra pra pagar o aluguel, vendi roupas velhas que não gostava porque precisava comer, briguei com vários amigos, fiz inimigos por ter a boca grande demais. Bem gente, eu estou doente e tenho meu coração e ainda tenho uma casa, então estou indo para ela.