Quando era criança ganhei uma metralhadora. Era uma Ak alguma coisa, não lembro. Lembro-me apenas de que só havia um tipo de munição para ela e quarenta e oito tiros por minuto, enquanto meu primo - e companheiro de divisão - tinha um lança morteiro. Era uma metralhadora pesada, não consigia suporta-la atirando por mais de dez segundos, mas a emoção de ver as balas voando e as granadas estraçalhando o inimigo. E havia uma baioneta. Pra ter direito a usar uma dessas era preciso matar pelo menos mais cinqüenta cabeças, mas como faria isso com essa arma que me deram? Pior eram aqueles que andavam por ai com pentes de munição, bem coisas de Stalin, coisa de russo. Enfim, na guerra as coisas sempre podem piorar e você sabe, cedo ou tarde sua divisão é encurralada e sobram na brincadeira apenas os que correm ou os que se escondem. Eu levava a sério na época e bem, acho que ainda levo a batalha a sério o suficiente para contar que roubei o lança morteiros de meu primo neste dia. Ele estava lá aos pedaços, vivo, mas quem se importa? Ele sempre desistia de tudo no meio de todas as brincadeiras e a metralhadora seria a única coisa capaz me tirar dali. Coloquei isso na cabeça e arranquei a arma que ele abraçava como um brinquedo que seu pai havia dado - e conheço seu pai, ele não se importaria em receber uma bandeira e uma medalhinha, contanto que seu filho fosse o herói e não um cagão. A baioneta ficou com ele, eu fui, atrás da cerca, com três granadas, dois pentes e uma vontade enorme de atirar. Com o meu dedo quente era só questão de tempo para ficar sem munição, mas a emoção de ter o lança morteiro e matar meus inimigos da vizinhança era mais forte.
Algumas pessoas nascem para usar uma arma, outras nascem para usar um uniforme, quase ninguém tem direito as duas opções.
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