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:)

recordar é viver

O terror


A primeira canção que me lembro perfeitamente de ouvir e gostar era uma canção sobre caminhoneiros, uma canção de Roberto Carlos sobre como o rei não gostava de mulheres banguelas. Pelo menos era isso que eu entendia quando ele cantava “não me perco nas banguelas” afinal, até os caminhoneiros tinham direito a uma mulher com um bom par de dentes. É claro que hoje sei o que é uma banguela - segundo o vocabulário da estrada - assim como sei que essa canção é de um rei Roberto já em decadência, atirando para todos os lados que haviam sobrado para ele atirar. Não importa, é a canção que eu lembro de ouvir no “hi-fi” dentro de uma maleta “james bond” que meu avô comprara na zona franca de Manaus e que virou herança de minha mãe. Meu avô - caminhoneiro respeitado que se orgulhava de ter trazido os primeiros postes para a nossa cidade e de ter tirado uma foto dando de “mamar” para um filhote de onça no meio da selva amazônica - era meu herói. As historias contadas por ele ainda estão presentes nas minhas lembranças e eu as conto como se eu fosse praticamente um neto de Odisseu. Tanto ele quanto minha avó - a mundialmente conhecida Dona Santa - passavam as tardes de chuva contando historias para os netos, historias de uma época em que ninguém que eu conheço neste mundo aparentemente havia nascido.
As historias envolviam assassinos surreais que dizimavam famílias inteiras e na falta destes, boiadas eram mortas como se o interior do Rio Grande do Sul fosse uma terra de ninguém e/ou parte integrante do reino do Conde Drácula. A historia a seguir ficou intacta após todos esses anos e era perturbadora pela quantidade de detalhes que meus avós colocavam. Imagine você que eu ouvia essa historia com oito anos de idade e a juro que imaginava desta forma.


O assassino entrou por uma janela aberta atrás da casa e matou primeiro as criadas - uma senhora e sua nora. Depois se encarregou da dona da casa e das três crianças, uma destas ainda de colo que dormia junto da mãe. O marido estava viajando e só chegaria quase uma semana depois, nesse período o cheiro já havia chegado às casas vizinhas o que levou as pessoas até a casa moribunda e descobrir os corpos trucidados quase que todos ainda em suas respectivas camas. Havia sinais de cortes e escoriações nas pernas, no peito, na virilha e principalmente no pescoço das vitimas, porem não parecia ser feito por alguém em sã consciência, alguém que sabia o que estava fazendo.

Quando o marido chegou e encontrou a família, a policia já estava investigando o crime pelo ponto de vista de que fora uma chacina, os moradores não reagiram - foram mortos enquanto ainda dormiam e não havia sinal de roubo pela casa, a porta inclusive se encontrava trancada pelo lado de dentro. A policia cogitou a hipótese de que o filho da criada, que trabalhava cuidando dos animais da fazenda e que havia dado por desaparecido há alguns dias havia voltado até a casa, matado a mãe e sua mulher, assim como todos na casa. De fato o rapaz era um forte suspeito, há dias não era visto pela região e a casa não havia sido arrombada. Para a policia, era simples, achando o rapaz achariam o assassino.
O povoado se horrorizou com as mortes e o boato de que havia um assassino a solta pela região de lagoa vermelha fez com que grupos de caça ao bandido fossem organizados, inclusive liderados pelo viúvo que queria vingar sua família. Nessa época, não era incomum rixas entre famílias acabar deste jeito, pistoleiros eram contratados para essas ocasiões, mas os detalhes sobre este crime confundiam a policia. As pistas levaram até uma caverna no meio de uma floresta fechada há alguns quilômetros de onde havia acontecido o suposto assassinato. Essa mesma gruta já havia servido de esconderijo para outros bandidos em passagem pela cidade e para desertores do exercito de Bento Gonçalves durante a guerra. Moradores próximos encontraram pedaços de cetim semelhantes a das cortinas da casa e marcas de sangue já escurecido pelo sol em algumas pedras próximas a entrada. O grupo de homens armados com suas espingardas, facões e foices se colocaram a postos a frente da gruta, que exalava um cheiro horrível e poucos sons emitia alem do barulho do vento que embocava pelas pedras. Alguns homens entraram à caverna e a seguir o que viram era uma espécie de tumba coletiva, era como se a gruta tivesse sido usada para sacrifícios pagãos. Pedaços de seres humanos e de animais se misturavam e acabavam sendo uma coisa só perante os olhos. Cachorros, gatos, galinhas, animais maiores e menores trucidados e apodrecidos faziam companhia a algumas carcaças humanas, entre elas a do rapaz, filho da criada. Aparentemente quem dizimou a família, levou o corpo do homem até a gruta e se alimentou dele por alguns dias. Mais ao fundo da caverna, fracos ruídos eram ouvidos, outros homens entraram junto da caverna com tochas e o que encontraram foram dezenas de morcegos, alguns com bem mais de um metro e asas que poderiam abraçar um homem adulto. Essas asas também possuíam garras que pareciam lanças ou dentes. A maioria dos morcegos hibernavam - já que se passava das sete horas da manhã quando os homens encontraram os corpos e os morcegos. Com a ajuda das tochas eles incendiaram gravetos, capim, e restos de pano e tudo que havia pelo o covil. Após saírem, trataram de lacrar a caverna pra que ninguém entrasse ou saísse dali. Até a descoberta dos morcegos, ninguém havia ligado a morte do gado e dos animais a morte da família e o desaparecimento de habitantes da vila, mas logo que essas peças foram colocadas lado a lado, os casos foram sendo solucionados.