O telefone tocou as nove e doze do dia quatro e era ela do outro lado. “oi...” demorei a reconhecer a voz, houve um silêncio, uns cinco segundos entre duas frases, a minha saudação e a pergunta a seguir. “quem é?”. Sim, eu sei que é você, mas não custa nada perguntar, sabe, não é muito comum atender ligações de fantasmas. “ah oi, como está?” ela disse que estava bem, eu estava bem, obrigado por perguntar. Dentro do possível é claro que estava. De inicio, demorei a me ligar do que estava acontecendo e quando finalmente caiu a ficha fiquei assustado. Muito bem, pense rapaz, há uma razão para que esta garota orgulhosa resolva ligar para o seu telefone? Ela nunca teve o meu telefone, nem este, nem o anterior e de todas as pessoas que me ligaram nos últimos dias, em nenhum momento pensei fosse ela. Para mim ela estava morando em plutão, vez ou outra sabia uma outra coisa sobre ela por emails vindo do espaço sideral. Não importa.
Enquanto ela falava claramente medindo as palavras para comigo, daquele jeito que a gente fala quando não quer parecer interessado em algo que você está, fiquei pensando no que ela devia ter passado para conseguir meu telefone novo, talvez ligando para uma nossa amiga em comum, que lhe dera o telefone não antes de ter feito alguma piadinha, espero que ela tenha rido muito da sua cara orgulhosa. Sim, quando alguém perdido, como dizem “nas brumas do tempo” da sua vida liga no meio da noite querendo saber de você, você também vai ficar se distraindo pensando no caminho que levou aquela pessoa te procurar. “Não estou fazendo nada, carnaval lembra? O que pessoas como eu fazem nesta cidade numa noite de carnaval?” juro que esperei ela responder algo sagaz do tipo “pessoas como você me convidariam para sair...” ou “pessoas como você viriam até a minha casa com uma garrafa de vinho”. “não sei” ela disse, seguido de um dar de ombros óbvio que pude ver pelo telefone e eu lembrei que gostava dos seus ombros.
“Tava a fim de conversar...” comigo? Porque? Desde quando virei um cara bom de conversa? Sou famoso por estas bandas por não dar muita atenção as garotas, lembra? Mas você eu ouvia, você era interessante, te juro babe. “Hum, acho que não tem nenhum café aberto, hoje, a está hora”, a quem estou querendo enganar? Eu não queria conversar, não com ela é claro e afinal o que haveria para conversarmos? Discutir algum ponto de uma relação que havia ficado num hiato por séculos e justo no carnaval algum arqueólogo encontrou escavando no caminho entre a minha e a sua casa? Não há mais ninguém nesta cidade pra te ouvir meu amor? Se te serve de consolo não há ninguém pra me ouvir também, enfim, a gente combina em algo. “Deixa ver, o que está aberto hoje, james (no no no), psichocarnival no jokers, café do teatro nem pensar, o kitinete está fechado (eu não te levaria lá de qualquer maneira), só abre amanhã, vamos no VU? Acho que deve estar aberto hoje.”
Alguns detalhes não discutidos:
1) Eu não queria mais falar com ela.
2) Um dia eu quis falar com ela, mas nunca tive seu telefone.
3) Foi ela que quis falar comigo e sendo assim, pelo menos está noite estou salvo do sofrimento de uma morte lenta.
4) Se eu negar que estou com medo de um encontro com esta mulher, passo por mentiroso. Tudo bem, eu minto o tempo todo e quase ninguém percebe.
5) “ok vamos ao VU”.
O que a gente faz numa hora dessas? Há meia hora atrás eu estava sozinho e consolado com a ausência de outras vozes perto de mim neste carnaval. Eu não precisava de companhia, havia um pote de sorvete de chocolate no congelador. Agora estou suando frio pensando em coisas que não estavam aqui dentro há muito tempo. estou pensando em respostas, Ryan Adams meu chapa, canta alto aqui uma resposta legal para estas horas?
Nota mental para esta noite.
1) Não falar de lembranças.
2) Não falar de discos.
3) Não falar de filmes.
4) Não falar de livros.
5) Não falar.
“Tantas coisas aconteceram nestes últimos dias, desde que me mudei, tem sido, como nas palavras de Erneshto, “TREVASH”...” assim mesmo com H no fim para simular o sotaque carioca do criador do bordão. Também tenho uma lista mental do que me aconteceu desde que nossos olhos se cruzaram pela ultima vez, mas obviamente não tocarei neste assunto, ela não merece tanta atenção assim, talvez se houver uma próxima vez e estivermos pelados numa cama, talvez no carnaval do ano que vem. Pergunto do seu pai, sua mãe, de gente que não podem me fazer mal, pessoas que estão fora do alcance. “É, eu sou um idiota de estar aqui com você.” essa frase não saiu da minha boca. Mas ficou ali a noite toda, inclusive quando abri a porta da minha casa. O que eu fazia no VU com uma garota que um dia disse que eu era um mané (não, não foi ela quem disse, mas sim uma amiga) e eu nem sabia exatamente a partir de que momento deixei de ser um cara legal e engraçado para me transformar num idiota ligando de madrugada desesperado por atenção de uma menina que já devia estar com outro cara (um detalhe: isso também nunca aconteceu, nunca liguei para ninguém no meio da noite, assim como nunca bati na casa de ninguém sem ser convidado ou ter avisado, nem segui, nem evitei encontros, quer dizer, não fui há alguns lugares e usei pessoas como desculpa para isso, vai dizer que você nunca fez isso na sua vida? Enfim, grande parte do que dizem a meu respeito sobre mim é mentira). De qualquer forma eu era o idiota ao lado de uma morena linda que já havia sido minha mulher na mesa do canto, perto da janela do VU numa noite de carnaval. Ela estava linda, ela sempre esta linda, ela sempre esteve. Nunca a vi desarrumada nem quando dormia na minha casa, na minha cama ela conseguia ficar desarrumada, chego a pensar que algumas pessoas têm o dom da elegância, mesmo que seja uma louca, uma Maria Antonieta elegante. Nunca a vi com o cabelo sujo ou com as pernas peludas, é sério, ao contrario de uma outra por ai que vive como se estivesse curtindo o inverno da França, é, outra vez citando Ernesto, “trevash”.
“Shadowlands”. Aquele sou eu com uma garota que eu já quis muito e que hoje parece um quadro de dois por quatro metros pintado apenas com uma ou duas lembranças. Mentira, as lembranças são cinco:
Cinco lembranças a seguir:
1) Foi o melhor sexo que já fiz.
2) As duas melhores semanas da minha vida tiveram inicio com um beijo dela.
3) Uma das canções que mais gosto foi ela quem me mostrou.
4) Fiz uma canção para ela.
5) E o que restou do amor, um botton.
O sexo era realmente bom, mas isso não quer dizer muita coisa quando o romance acaba, não é? vira apenas mais um pouco de sexo quantitativo. Sentia-me bem perto dela. As duas semana de vida plena que tive começaram no dia em que a beijei pela primeira vez, quatorze dias plenos, talvez quinze dias quase como, hum, estar feliz, morra de inveja Werther. Sobre a canção que ela me mostrou, bem eu menti para que ela se sentisse melhor, eu já gostava da cantora antes de conhecê-la, apenas liguei os pontos e o fato de que ela sussurrou no meu ouvido essa canção. Já a canção que escrevi para ela? Escrevi varias, mas esta na minha lista de canções com historinhas memoráveis. Um dia eu conto, é engraçada até certo ponto, depois fica triste e no fim, fica bem, não é assim que gente católica pensa? No fim tudo bem. Ah o botton, engraçado como outro dia olhei para meus casacos e reparei que todos os bottons correspondiam há alguma garota, um relacionamento. Então comecei a dizer que estava colecionando namoradas. Em outras épocas os namoros acabavam ficavam os discos, livros, agora tenho uma caixinha de corações partidos e outra de bottons. Novamente “idiota”. Um destes bottons eu fiz de tudo para perder e não consegui, foi o botton que eu fiz, merda. Mas este não é o seu botton, o seu ficou em casa junto com o outro terno meu bem, afinal você não acha que eu sairia de casa para encontrar uma garota usando o botton que a mesma me deu? É muito “me fode” não acha? enfim, “idiota” tem sido meu nome do meio nestes dias.
Enquanto ela foi ao banheiro, fiquei olhando as outras pessoas do bar, havia umas três ou quatro (sobre uma delas não me decidi, havia um tênis feio impedindo minha analise) que me interessariam num dia normal. Pensei em como Rob Fleming agiria se estivesse aqui no meu lugar. Ele provavelmente estaria pensando em coisas assim: top five de reencontros memoráveis. Fiquei pensando em reencontros que nunca tive, mas seriam interessantes.
Topfive de reencontros:
1) vanessa, irmã do fabrício.
2) shaiane, a menina bonita que morava na frente da escola.
3) Denise, a menina que meu vô levou a mudança para no Pará.
4) Juliana, a menina cheia de sardas.
5) Juli, minha paixão de segundo grau.
Essas pessoas eu nunca mais vi, das cinco apenas a primeira e a ultima eu procurei, as outras vieram a minha cabeça por alguma cronologia ou algum motivo que desconheço.
Vanessa foi, segundo minha mãe, minha primeira namoradinha. Foi essa criança que fodeu com tudo, sem saber ela acabou com as chances de um menino se dar bem na vida. Queria encontrar a menininha de oito anos e acertar as nossas contas.
Shaiane está nesta lista para preencher espaço da ordem cronológica, que fim levou você mulher?
Denise era a minha amiga de escola, aquela que era legal comigo e que meu avô levou a mudança até o Pará. Se você estivesse por perto quando precisei, teria me ajudado a evitar tantas coisas, bem, Denise, não sei se você se lembra de mim, mas por sua causa eu passei a gostar da irmã do meu melhor amigo, por sua causa eu me apaixonei por ela, pra suprir a sua falta. Toda merda pré-adolescente que fui é culpa sua.
Juliana era a menina que sentava na cadeira atrás de mim na sétima série. Ela era tão bonitinha, tinha sardas e cabelos quase vermelhos. Desculpe, é só o que eu me lembro de você.
A juli me matou. Me matou e fugiu para longe achando que ninguém iria encontra-la e culpa-la pela minha morte. Menina, as almas viajam. Elas puxam os pés de seus assassinos mesmo que eles morem no Japão. Seu erro foi não ter esperado meu cadáver esfriar e continuar com as cartas (nos correspondíamos por carta mesmo quando a distancia que nos separava se resumia a distancia entre a minha e a sua sala de aula) como se eu ainda estivesse vivo para lê-las. É uma estratégia velha essa, para disfarçar qualquer suspeita, as suas cartas continuaram chegando e eu, o espírito escrevia de volta. Foi por sua causa que reprovei varias vezes e não fui buscar o diploma de técnico em eletrônica. Foi por sua causa que gazeei as aulas do professor Paulo barba e no fim do ano tive de suborná-lo para passar. De consolo ficou quatro cadernos com o melhor escrito que o lixo adolescente conseguia fornecer no final do século. É tudo culpa sua lembre-se disso.
Isso resume tudo.
1) Primeiro elas eram apenas crianças lambuzadas de doce.
2) Depois elas eram psicólogas e ninguém gosta de beijar psicólogas.
3) Quando cresci viraram cantoras, musas, bailarinas de pés feios.
4) Agora elas são todas jornalistas, umas repórteres de porta de cadeia.
5) Todas.
Ela voltou do banheiro, o banheiro do VU não é dos melhores, pelo menos o masculino. O VU, você sabe, não é grande coisa, um monte de mesas, discotecagem safra 2005-2006, ainda tocam predict a riot nas noites de sábado e as pessoas ainda gritam junto com a música ruim. Aquelas pessoas que você conhece e que te conhecem de vista. Isso e ex namoradas que entram te vêem do lado de outra ex e acenam com ironia. “- Rapaz, olhe para o outro lado, estou dizendo, não encare a porta, não encare a porra da porta, por favor, não veja ela entrando.” Graças Deus ela só iria me ver pouco depois da outra ex voltar do banheiro e sentar-se. Já imaginaram o que aconteceria se a que acabara de entrar sentasse comigo na mesma, ai logo depois a outra voltasse do banheiro? Seria um encontro daqueles memoráveis, para ser a parte mais engraçada de um episodio de Friends. Com certeza quem faria o meu papel seria Ross, só ele conseguiria uma proeza como esta.
Nada acontece, cumprimentos, etc. Deve haver um baile de ex-namorados aqui na rua? Afinal é carnaval e até minhas ex namoradas precisam se divertir, mas não mais do que eu é claro.
Eu poderia escrever a seqüência de diálogos aqui, mas acho que posso resumir que toda a conversa era sobre duas pessoas entediadas que não queriam ficar sozinhas numa noite de segunda feira de carnaval. Vou pra casa, ela vai pra casa, ninguém dorme com ninguém, é a regra dos reencontros, nada de sexo. Na verdade a regra é uma escolha: conversa ou sexo, das duas uma, não se consegue um reencontro com as duas opções. Pelo menos não de onde eu venho.
“Amanhã a gente faz.”
Infelizmente não desta vez, não toquei no assunto principal da noite, na minha mente, o fato de que amanhã, eu não mais estaria disponível para quando ela bem quisesse não foi se quer comentado.