Qual seu interesse em mim? Perguntou a garota numa conotação que mais soava como “aonde você quer chegar?”. Eu, nesse instante fiquei rubro, não sabia o que responder e me sai com uma frase que mais parecia ensaiada, “suas palavras perigosas...bla, bla, bla”. Deveria ter sido mais franco, mas preferi apenas citar flertes iniciais, te vi num bar, perguntei seu nome a uma garçonete, essas coisas. Caminhei até em casa, pensando numa resposta apropriada para ela. Andei dez quadras com frases na ponta da língua para quando me obrigasse a escrever uma resposta a altura do que me policio ser capaz. As palavras a seguir são de um conto que ainda não viu a luz do dia ou o fim do quarto capitulo.
1
- Qual seu interesse em mim? Perguntou a garota.
– Meu interesse é meramente passional; disse o rapaz enquanto suas mãos formigavam do outro lado da mesa. Ela riu e pensou, “ok , outro louco”. Ele riu e por um segundo pensou em rever suas falas.
– Passional, sei; disse a garota, sem saber que passional era uma de suas palavras preferidas.
– É, passional, todo o universo que a “passionalidade” possa envolver. Agora ele havia criado um hiato, será que ela saberia que ele acabara de falar uma palavra que não existia? “Droga”; pensou afinal, ela poderia ter notado algo fake por de trás da couraça de mistério que há sobre um estranho que surge no meio da noite. Enquanto ela virava seu rosto e o olhar para a mesa vizinha, aquela mais perto da porta com vista para a rua numero 15&35, ele soltou a fumaça e pensou encarando seus dedos tortos o que deveria ser uma resposta correta a altura de uma garota como aquela, afinal o que ela esperaria de um desconhecido que simplesmente apareceu ali e passou a freqüentar a sua mesa preferida. Pelo menos ela não havia expulsado tão rápido quanto havia notado sua presença. Mas ainda era cedo para que ele revelasse que seu interesse por ela era único e exclusivamente passional.
– Sabe, meus interesses são, você sabe, essas coisas, namorar, casar, ter uma casa com um quintal e filhos, nossos filhos brincando com um cachorro chamado James Ostenberg Segundo ou talvez um casal de gatos chamados jack and meg white. Eis uma bela maneira de abordar uma pessoa estranha num bar, pedindo a ela em casamento, mostrando as fotos das crianças que ainda não temos e escolhendo os nomes dos bichos de estimação. Louco, mas a essa altura da vida, tanto faz. Pensou tudo isso em pouco mais de nove segundos, tempo exato em que ela virou seu rosto para uma direção que não era a dele.
2
O próximo passo era contar-lhe uma bela e mirabolante historia sobre tudo o que acontecera até o dia em que ela entrou pela porta do seu bar preferido e fez a música parar na sua cabeça por mais ou menos vinte e oito segundos. Deste dia ele jura que não lembra de mais nada. Era sábado? Sexta? Segunda? Não poderia afirmar sobre nada alem de que vira uma garota de rosto levemente rosado, pele branca e cabelos lisos e castanhos que entrou a porta junto de uma outra garota, se debruçou sobre o balcão entre outros dois caras, um deles a cumprimentou, o outro, assim que ela saiu do balcão perguntou seu nome a garçonete, e foi assim que descobriu como ela se chamava. Na verdade enquanto prestava atenção na garota, também ouviu a garçonete perguntar aonde ela iria naquela noite e ela respondeu com certo entusiasmo que iria ao bar moderninho da cidade, que ficava a exatas quatro quadras de sua casa. Ele como sempre ficaria ali até a dona resolver fechar as portas e se alguém o perguntasse “e depois?”, “depois nada” responderia. O engraçado era que só conseguia se interessar por alguém a partir do momento que assumia a postura “e daí?” com aquela desculpa de que não era uma boa época para se apaixonar e que alem do mais não haviam pessoas interessantes soltas por ai. Assim passava os dias entre livros, discos, textos para a revista que ajudava a escrever e sua saídas obrigatórias ao bar. Foi nessa época em que ela apareceu, na mesma época em que mudara de apartamento, para um bem menor, fora assaltado e estava sem telefone, sem documentos, sem emprego, tudo de uma vez só. Todos esses problemas não mais importavam, e seriam resolvidos com o tempo. Achar a garota era prioridade. Tinha um nome, não deveria ser difícil com suas técnicas de persuasão, afinal dizia, que por mais agouros que andasse carregando, ainda era um rapaz com milhões de planos e uma alma bonitinha de se olhar.
3
Quando finalmente a encontrou, não soube o que dizer, não era fácil iniciar um flerte com alguém que se quer sabia de sua existência. E existia o porem de que não conseguia agir direito quando as garotas eram definitivamente lindas de mais para ele. Entre as fotos que ela exibia, varias com amigas, havia uma carta de uma criança, uma carta de natal daquelas que é entregue nos correios e que acabam nas mãos de pessoas a fim de fazer o natal de alguém mais feliz. Leu a carta, a menina se chamava Rebbeca e antes de assinar, escreveu “anjos existem”. Não pensou duas vezes e tratou de usar a menina como cantada, jogo sujo é claro, como aqueles pais solteiros e/ou separados que usam os filhos para conhecer mulheres, algo do tipo “que criança bonita, é sua? É minha mas pode ser sua também...” horrível, mas teria de ser isso ou nada. Cantada barata enfim no ar; “a Rebbeca tem razão, anjos existem...” seguido de uma outra frase que o salvava de uma catástrofe intencional “não acredito que passei uma cantada tão barata...”. Se o flerte funcionasse, provavelmente teria uma historia perfeita em suas mãos, um presente triplo de natal, Rebbeca, ela e ele teriam um bom natal, embora ainda estivesse tudo planejado em sua cabeça, esqueceu que em momento algum havia avisado a garota de suas intenções.
4
- Qual seu interesse em mim? A pequena epifônia havia acabado. Estava de novo com a pergunta rondando sua cabeça. Há pelo menos seis meses que não pensava em respostas com este cunho. Já havia dito um milhão de vezes que esta não era uma época favorável para o amor e que se contentaria em ter um bom dia, mas a pergunta o assombrou por toda a noite, pela manhã seguinte, “- qual é meu interesse para com ela?” de fato era difícil explicar porque alguém resolve dizer “oi” a um estranho que nunca havia o notado até que lhe dissesse “ola, que tal?”. Era como ter eternamente treze anos, preso na eterna sensação de intestino preso, de formigamento dos membros, essas sensações horríveis em que o corpo te dá um ultimato. Era isso, quando olhava para aquela garota e bem, haviam tantas, raramente algo acontecia, mas naquele dia, seu coração lhe deu um ultimato. Seus interesses passionais afloravam como de uma criança que acabara de se apaixonar por um brinquedo na vitrine de uma loja, não apenas pelo brinquedo, mas por toda a linha que o levou até o presente, bem mais importante que o plástico enfim, era a sensação de se sentir realizado. Naquela época, fim de ano, natal ali nas ruas, pessoas indo e vindo com sacos enormes de presente, famílias inteiras nas ruas, estar completamente sozinho era o avesso do que queria para si. Queria ser a criança de treze anos e ter a casa cheia de novo porque era natal e natal era a única época em que sua casa se enchia, visto que era filho único. Queria ser a criança de treze anos dividida entre a paixão por um brinquedo e por uma menina nova que chegara ao bairro, tudo ao mesmo tempo agora. Era esse universo que vinha a tona toda vez que flertava com alguém, as coisas que viria a descobrir no momento seguinte, e no outro seguinte. Talvez a garota gostasse de descobrir coisas nas pessoas, quem sabe ela cultivasse o prazer de só ouvir siamese dream sozinha, seus discos preferidos envolvessem grace, if your feeling sinister, summer teeth e algum do Bob Dylan, provavelmente highway 61 revisited, todos no mesmo pacote com laço vermelho. Sim, na sua imaginação intacta de treze anos o rosto daquela garota parecia adorar laços vermelhos. Era essa sua intenção, como numa canção de seu alterego, queria descobrir o que a garota escondia atrás dos olhos.
(continua)