Escrevi um texto sobre Dylan para a agenda de eventos do local onde trabalho, o texto ficou meio apaixonado, meio explicativo, meio forçado (o inicio foi chupado da abertura de "O apanhador do campo de Centeio") e me dando ao luxo de ignorar Blood on tracks e todo os anos 70 do homem, enfim, a versão sem revisão e sem cortes de Bob Dylan para iniciantes.
50 anos de carreira de Bob Dylan
Toda e qualquer história que escreverem sobre Robert Allen Zimmerman, Bob Dylan, Jack Frost ou qualquer um dos vários pseudônimos pelo qual Dylan caminhou sobre a terra, será exagerada, fantasiosa, cheia de revira-voltas e truques dignos de um mágico, de um Houdini. Em vias de completar 71 anos, 50 anos de carreira, cinco dezenas de discos com seu nome, Dylan carrega na voz o peso de estar entre os maiores artistas que pisaram na terra.
Bob Dylan inventou sua própria vida, trocou a infância em Minnesota, interior dos EUA, pela vida dura de um órfão trabalhando num circo. Suportou a mentira até ser desmascarado por um jornalista na véspera de seu primeiro grande show em Nova Yorque. Sua origem foi apenas a primeira de um número impossível de vezes que o artista Dylan se reinventou.
A lenda diz que, em 1961, Dylan cruzou os Estados Unidos viajando em um trem de carga em direção à Nova Yorque com a intenção de visitar o cantor Woodie Guthrie, que definhava num hospital psiquiátrico. Guthrie era ídolo da classe operaria e de quem Dylan se orgulhava de ter lhe roubado tudo: o visual operário, as letras de protesto, o jeito de cantar e tocar.
Nesta época, o mitológico Greenwich Village - área boemia e decadente da cidade de Nova Yorque - vivia uma explosão artística e existencial promovida pelos filhos da 2ª guerra mundial e pela geração Beat – movimento literário que movimentou os anos 50. Vários artistas chegavam à cidade com a finalidade de se nos apresentar vários cafés do Village. Dividiram palco com Dylan, artistas como o comediante Woodie Allen, o poeta Willian Burroughts e a cantora Joan Baez.
Até ser descoberto pelo empresário Albert Grossman, o rapaz Robert Dylan, então com 20 anos, viveu de favor em quartos emprestados na casa de outros artistas enquanto se apresentava pelos bares e cafés - quase sempre em troca de cigarros e comida.
Dylan gravaria seu 1º disco ainda no inverno de 1961. “Bob Dylan” – foi lançado em 1962 e não vendeu muito. Recheado de canções Gospels e temas tradicionais - entoadas por negros nas lavouras dos EUA, o disco trazia apenas uma única canção escrita por Dylan foi “Song for Woodie”, homenagem à Woodie Guthrie. O “Folk” - caracterizado por voz, violão e gaita de boca, era considerado um estilo musical duro e dramático demais para as rádios populares que preferiam ritmos, digamos, mais alegres. Antes do sucesso de Dylan, as gravadoras não tinham o costume de lançar novos artistas com canções originais, nem artistas que compunham suas próprias canções. As canções de protestos ficavam restritas a pequenos grupos, tinham uma própria parada musical, sua própria estação de rádio. “Blow in the Wind” tratou de quebrar essa divisão entre os estilos musicais e elevando Dylan ao status de artista mais influente do inicio dos anos 60.
A canção abria “Freewheelin’ Bob Dylan” (1963). O segundo disco de Bob Dylan rompeu com os parâmetros das paradas musicais, tirando Dylan do nicho “folk” e lhe dando status de herói mundial. O álbum trazia alem de “Blow in the Wind”, "A Hard Rain's a-Gonna fall”, "Don't Think Twice, It's All Right”, canções escritas por um rapaz de 21 anos que estavam muito alem de um mero espírito de uma época esperando por mudanças, elas colocavam os dias atuais e a literatura dentro do universo da musica pop pela primeira vez.
Dylan carregava o titulo de herói as custa de “Hard Rain's a-Gonna fall”, “The Times They Are a-Changin” e de suas aparições em eventos políticos. Agüentou encenar o papel de cantor de canções de protesto por mais dois discos até romper com o violão, com a musica “folk”, brigar com seus próprios fãs, era preciso - como ele mesmo diz em suas crônicas autobiográficas.
Em 1964, Dylan conheceu os Beatles – com eles a eletricidade e assim a 1ª de suas varias mudanças musicais radicais. A “Beatlemania” levava o reino unido a loucura desde 1962, mas apenas em 1964, os Beatles chegavam aos EUA, direto ao horário nobre - ao Ed Sullivan Show. O lendário encontro entre Dylan e Beatles é descrito por estudiosos da cultura pop ocidental como um “Big-Bang” que transformaria o universo cultural para sempre.
Ambos os lados sairiam modificados: os Beatles abandonariam as letras fáceis e ingênuas de canções como “love me do” e “she love you” e iniciariam uma viagem pela introspecção e existencialismo – presente principalmente nas canções de John Lennon e George Harrison.
A influencia do Iê, Iê, Iê sobre o trabalho de Dylan apareceu logo no álbum “Bringing It All Back Home”, de 1965, 5º álbum de do cantor e o primeiro utilizando uma banda de apoio.
O lançamento deste álbum gerou vários protestos de seus fãs e do segmento purista da música folk. Dylan havia escolhido o festival de Newsport – tradicionalmente dedicado à música folclórica, onde Dylan já havia se apresentado varias vezes. A lenda diz que Dylan e sua banda foram recebidos às vaias pelo público presente. Enquanto a banda executava a primeira canção elétrica do festival, o organizador do evento Peter Segger tentava cortar a energia do palco utilizando um machado.
Aos detratores de sua carreira, Bob Dylan dedicaria “Highway 61 Revisited” – gravada e lançada ainda em 1965, com sua incrível abertura “Like a Rolling Stone”. Sozinha, esta canção era uma resposta a todos haviam o acusado de traidor enquanto estes permaneciam bem acomodados em suas vidas. Fãs, amigos, inimigos, Dylan acertou em todos. Like a Rolling Stone é uma emblemática justificativa sobre como as mudanças da carreira do cantor afetaram não apenas Dylan, mas todo o cenário da música pop dos anos 60 até hoje.
Após a seqüência de discos elétricos monumentais (Bringing It All Back Home, “Highway 61 Revisited” e “blonde on blonde”) entre 1965 e 1966, Bob Dylan mudaria de planos novamente, gravando discos cada vez mais caseiros e enigmáticos. Sua a carreira musical oscilaria para sempre entre o violão e a guitarra; entre as turnês sem fim e a calmaria da vida em família, entre o eremita cristão e o astro do Rock’n Roll.
“- Judas!” - o mitológico grito de um rapaz na platéia durante um show no Reino Unido (documentado no filme “No Direction Home”, de Martin Scorsese) encerraria a saga do herói Bob Dylan na historia da Cultura pop ocidental. Para a música restaria outro Dylan, o cantor/compositor de dezenas de discos e centenas de canções.
Essas histórias sobre Bob Dylan - verdadeiras lendas dentro do universo da música pop - estão devidamente documentadas nos diversos livros sobre o cantor, em sua autobiografia “crônicas vol.1” e no documentário-biografia realizado por Martin Scorsese “No Direction Home”. Vale citar também o filme “I’m Not There” (em português “Não estou lá”), dirigido por Todd Haynes, um filme onde a trajetória de Dylan foi romanceada e transformada em um épico com várias historias, personagens e épocas e óticas diferentes com o objetivo de contar a vida de um mesmo homem, Bob Dylan.