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Sobre Airton Senna e o Fantasma da Infância.



Lembro exatamente onde estava há 18 anos quando o cara da foto morreu. Estava sentado na cama colocando o tênis enquanto via a corrida através da TV philco-ford amarela do quarto da mãe. Era 1º de maio e meu tio daria um almoço para os parentes e empregados da sua loja no country club da cidade. 1994, você sabe, ainda seria um ano promissor para muita gente. Lembro-me de ter ficado em casa até perto do meio dia vendo o desenrolar do acidente sem entender o quão sério era a situação - afinal, batidas eram a cereja do bolo da Formula 1 . Outro piloto já havia se acidentado no sabado e Barrichello, o outro brasileiro,  vivia voando, espatifando seu F1 nas paredes e saindo ileso, não seria Senna que estragaria a parte legal da corrida. 

 Foi Bellei, zelador/administrador do clube quem avisou da morte do Senna. Chegou na festa e foi avisando um a um do ocorrido. Não houve choro, não houve um grande drama nem silêncio, apenas pessoas comentando e lembrando de outras mortes de pilotos. 
Continuei minha vida até o momento em que o zelador chegou para a criançada, interrompendo a brincadeira da bocha para contar da morte do Senna. Todas as crianças ficaram em silencio e eu, inexplicavelmente comecei a rir. Não sabia nada sobre a morte, em 1994, eu só havia estado em um velório toda minha vida e só fui para pedir dinheiro à minha mãe para comprar sorvete, a morte não existia nos desenhos, eles sempre voltavam dos mortos, right? 
Comecei a rir e falar de outra coisa com meu primo, mas o zelador me interrompeu e disse “não ria de alguém que morreu, ele é um herói nacional”. Herói nacional? Eu brincava de ser Senna como se ele fosse um dos Cybercops ou o Giraya ou o Giban, era alguém da TV. Senna era importante pra mim, não era tão divertido quando o Piquet ou o bigode do Leôncio, Mansell, mas era um cara legal que pegava a Xuxa.  

Na minha memória, durante todo o resto do ano, o zelador me encontrava no clube e dizia “você é o menino que riu quando Senna morreu” e eu dava de ombros. Talvez ele tenha apontado e dito uma, duas ou tres vezes, naquele ano ou naquele mês, no máximo, mas ainda hoje, 1º de maio de 2012, o fantasma do menino gordinho que riu da morte do Senna me assombra. Não tinha como saber a dimensão exata da cagada em que o país se encontrava em 1994, depositando muitas frustrações sobre o capacete daquele piloto, peso capaz de quebrar qualquer pescoço, enfim.

Depois de ver o ótimo documentário sobre a carreira do homem-piloto-heroi-nacional Senna, fiquei dias mergulhado na memória tentando encontrar o que mais teria acontecido naquele dia ou o porque de eu estar rindo no momento de sua morte. Eu simplesmente não sei, não entendo minha reação até hoje e talvez eu realmente não tenha dado bola até ser repreendido pelo zelador.  Sua morte representou o primeiro choque de realidade na minha vida e a situação descrita acima ainda me assombra, mais do que qualquer “não”, qualquer fora que tenha recebido de qualquer garota nestes últimos 18 anos.