Olá, esse blog foi aposentado e as novidades estão todas em: http://giancarlorufatto.tumblr.com

:)

1.
Sofro de uma tendência estúpida de achar que se você me amasse, todos os problemas estariam solucionados. Então você me ama e é isso, “adeus, inferno, ola, céu”. Mas ai então acordo, e ela diz que meus problemas estariam apenas começando no segundo posterior ao momento em que ela me beijasse novamente. Que estupidez é essa capaz de esperar ataques de loucura e ligações pontuadas por soluços e gritos de “eu te amo, eu te amo” depois das três, quatro, cinco da manhã ?? Como na minha canção preferida do koti “será que você, numa linda manhã, um dia vai querer que eu more na sua casa?” - mesmo que seja depois de 2, 3, 7, 23 anos e alguns meses de promessas, como alguem ainda pode querer dividir o seu colchão?
Fico aqui pensando em toda essa loucura, a vida como uma fantasia de Billy gritando “You'll be a lover in my bed and a gun to my head" e que eles (e nós e todo mundo lá fora nesta vida que corre por entrelinhas) nunca se separariam. Tudo isso acontece e não é comigo, eu sou apenas o metal prensado entre os lados da mesma moeda.


2.
Quase ninguém consegue falar sobre o objetivo de uma harmonia, de um arranjo ser X ou então ser Y. Todo mundo recorre a leitura da letra para compreender do que se trata, mas as coisas nem sempre são assim. As melhores canções que existem por ai sugerem dois tipos de leitura, uma escrita e dita palavra por palavra. A outra na escolha do arranjo para cada segundo da canção. Sem entender uma palavra de inglês, alguém sensível o bastante para gostar de musica boa conseguiria entender o porquê de um sax ou um piano em determinada parte da canção, pelo menos eu espero do fundo do coração que existam pessoas capazes disso.

X: Dois desconhecidos se encontram e passam a flertar, insinuam algo, talvez diversão pós noitada, mas acabam indo para a cama sozinhos. Geralmente essas canções têm ataques de guitarra, baixo e bateria, melodia rápida. Solos de guitarra são guardados para quando a historia X envolve sexo. Quase sempre depois de uma canção explosiva (ou duas), sempre vem uma balada para colocar a cabeça no lugar.
Y: Duas pessoas que estavam juntas se separam e uma delas conta a historia com ajuda de violões, pianos e possivelmente um solo de sax quando quem conta a historia quer que a personagem volte para seus braços para pelo menos um ultimo adeus e algum sexo. Basicamente noventa por cento da musica pop se compõe assim.
Racing in the streets de Bruce Springsteen é um bom exemplo. Se passa ao amanhecer, quando as pessoas acordadas são trabalhadoras ou então são aquelas que viram a noite virar dia e agora estão ali, depois tantas promessas, restam sempre as mesmas bocas amargas e um cabelo bagunçado. Nada disso é dito por Bruce Springsteen, não está na letra, está naquele piano que tecla por tecla vai mostrando a noite ficando para trás pelo retrovisor, quando Bruce começa cantar, já estamos na cama olhando o sol enquanto fechamos a cortina do quarto, enquanto pesamos as ações, o que de fato aconteceu e o que deveria ter acontecido se tivéssemos sido sinceros para com nós mesmos. A maioria das coisas que ficam na memória quando a gente para pra pensar nas noites que se foram, muito raramente não são como racing in the streets. Se você quer se arrepender de algo basta tocar um piano como aquele as seis da amanha e todo mundo entenderá que a noite acabou e pelo menos para você, deu tudo errado. Quando você já está na merda e conformado com a possibilidade de que nunca conseguirá ter algo melhor do que apostar sua vida na mão de outras pessoas todas as noites, eis que entra uma harmonia de teclado pra te dizer que todo mundo tem algo no bolso, seja um telefone, um endereço, as chaves do carro, uma outra saída. Infelizmente para pessoas como nós, é disso que é feito a vida.

3.
O melhor disco de 2009 é de Grant Lee Phillips. Nada em termos de canções, de notas e acordes me fará melhor como ser humano do que “good morning, Happiness” me fez hoje, terça feira. Passava das sete e a chuva não deixava ninguém sair do trabalho. Fellini ensaiava sua abertura no 2° andar e eu, eu só queria chegar até o mercado e do mercado para casa com cinco paezinhos – aqueles ali. A chuva ameaça uma trégua, eu aposto nela e vou, mas duas quadras adiante ela me acerta de jeito. Meus phones são minha única proteção contra o temporal. Meus phones, meu casaco azul-novo-velho, meus pés molhados e Grant-Lee. Grant-Lee e good morning happiness me tiram daquele lugar. A chuva não me incomoda, ela apenas molha e a sensação melhora quando o refrão chega. Olho para os lados, a cidade se esconde pelos cantos, pelos becos da rua XV. Eu vou rindo, marchando na chuva como sugere a batida e melhorando meu humor. Melhor que isso é a sensação de que no fim Dylan tenha razão e que o certo é não ter de pensar duas vezes – está tudo certo, ou apenas vá - "
go out and get her" em Hey Jude. Todas as outras pequeninas coisas chatas não farão diferença com tanto que você tenha alguém te esperando e/ou onde se secar.

4.

Seres humanos não prestam. Foi o que ela pensou que diria antes mesmo de conhecê-lo.
Não seria tão alto quanto imaginava, apenas era magro e por isso aparentava ser mais alto visto através das fotografias ou da sua imaginação fértil. A imagem que ele projetava de si para os outros se dividiria entre o bem humorado e o galante irônico quase que o tempo todo e visualmente montado para parecer um homem bem vestido com ares de desleixo. E sim, incapaz de fixar o olhar em quem lhe dirigia a voz. Aqueles olhos típicos de quem procura reconhecer alguém entre as pessoas que entram - alguém que pelo jeito estava atrasado.
Ela calculou toda a decepção de véspera e se preparou para o pior. Pensou que no minuto em que a pessoa em questão entrasse pela porta, a conversa terminaria num suspiro daqueles que as pessoas dão quando se safam ilesos de um perigo eminente “uhh, é ela, até que enfim.”. Também estava apostando mentalmente - baseando-se numa estimativa de 32 romances ruins para um que valesse a pena - que o humor daquele cara mudaria quando a pessoa que os olhos esperavam finalmente chegasse. Logo após isso ele diria algo tosco que quebraria o encanto, alguém precisaria ir ao banheiro, pegar uma bebida ou falar com alguém que viu entrar, enfim. Pensou em todas as justificativas que um cara usaria com objetivo de fugir da possibilidade de falar exclusivamente com ela. Claro que ainda trocariam olhares por toda noite, toda vez que alguém risse mais alto, ela olharia para o lado e veria o rapaz cortejando uma garota de cabelos-castanho-claro-curtos. O Dj colocaria Ray Charles - A Fool For you - e os olhos se encontrariam próximo à porta de saída pela ultima vez.

Então começou a chover e ela ficou feliz por ter desistido de sair.

5.
Mickey Mouse de Jesus


- Não seja estúpido.

Pensou em levantar e cortejar a garota do sofá ao lado, mas havia jurado amor há outra garota a menos de seis horas atrás. Lá estava ele, Mickey Mouse de Jesus, sentado em uma poltrona confortável e engolidora de níqueis, desviando-se como sempre da conversa da roda de amigos para encarar a fotografa que conhecia sabe-se lá de onde. Normalmente, Mouse não se apresenta às garotas com quem se presta a flertar, apenas sorri, diz algum gracejo que em nada seja capaz de lembrar uma cantada e deixa que a garota se sinta atraída, mais ou menos como fingir ser uma luminária e atrair borboletas para a luz. Mouse não se preocupa em voltar sozinho, noite após noite, porque nunca sai de casa pensando em trazer alguém de volta, não. Estima-se que 58% dos homens que você encontra sozinho por ai com um copo na mão não planejam levar ninguém para casa, a casa é o ultimo lugar que a pessoa estranha verá - o que não o impede de acabar em outra cama, outra casa. No caso de nosso personagem, ele apenas tenta se sentir melhor para com o fato de que conseguiria qualquer garota usando apenas um terço do esforço que faz para ter a garota a qual havia jurado amor há seis horas atrás. Então, as mulheres andam por ai talhando caras como Mouse de canalhas, estúpidos e insensíveis - uns idiotas padrões, quando na verdade por trás do casaco e da pose esconde-se um eterno garotinho de treze anos rejeitado pela menina que mora há três casas rua acima.

6.
Sexta-feira, Setembro 12, 2008

Não precisamos de muito – disse o menino à menina. Ela deu de ombros e tragou o cigarro. Os olhos abriam, fechavam e a noite se guardava em silêncio. Ele não é, ele não era ninguém e ela ainda estava ali. Continuava bonita e ao contrario de todo mundo, ela não havia ido embora. Então, não era raro que ele deixasse a porta aberta para incentivá-la a caminhar até o corredor e do corredor até o saguão e do saguão até ao portão e do portão até o ponto de ônibus, enfim. Ela nunca foi embora e suas coisas não tomavam espaço. Apenas dois estranhos, duas xícaras e um monte daquelas palavras que mal saem da boca, não se desfere nem se deseja. Mas era só o que ele tinha e ela, talvez, porque nunca soube, nunca teve coragem de perguntar. Não importava, ele aceitaria dormir no chão se ela assim quisesse e feliz, feliz cantaria ooh la la e deixaria que a vida fizesse o resto. Também não eram tão jovens ou tão fortes e nem ao menos sabiam mais do que há seis, sete, dez anos atrás. Dois estranhos que se encontram, se beijam e aceitam as limitações dos ombros como se fosse apenas um café marcado pra depois das seis que se estendeu por uma vida inteira.

“I wish that I knew what I know now When I was younger
I wish that I knew what I know now When I was stronger”.

Ooh la la.


7.

email.

Eu continuo enviando, você continua recebendo até que um dia o e-mail de alguém (ou a artéria) entope e pára de receber ou enviar. Mais ou menos como naquelas historias com lição de moral sobre o tempo que perdemos por não arriscar ou apostar no cavalo errado.

Era uma vez um menino que enviava todo dia uma carta para uma garota. A primeira carta que ele enviou foi em 1978 e a garota respondeu rapidamente de modo que a carta-resposta chegou nem sete dias após o envio da carta do menino. A carta dizia “obrigada pelas palavras, você é muito querido.” Então, o menino continuou mandando cartas todo santo dia – exceto aos sábados, mas a menina nunca mais respondeu outra carta. Mesmo assim, ele continuou escrevendo cartas até 26 de outubro de 1981. Neste dia a policia bateu na sua casa procurando por fulano de tal – suposto molestador, seqüestrador, estuprador, whatever de menores. A menina estava desaparecida há uma semana e a única pista da policia era o sujeito que se correspondia com a criança.

:P