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Nas profundezas do coração do fundo do copo

Uma noite pela capital do estado.

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- Que diabos de homem eu sou? Encaro o inferno e lhe decoro com palavras bonitas? Sou incapaz de desejar mal para o meu inimigo? Vamos, tente. Tente. Estou lhe dizendo, tente isso, você consegue. Uma noite toda de olhos, bocas e linguas se cruzando como morteiros. Pessoas caindo em todos os cantos, por amor, por fadiga, nós, eles, aqueles, todo mundo em sua própria guerra pessoal, uma guerra psicológica onde estamos envolvidos por tesão acumulado em nossas armas. Você espera por ação e morre sentado em sua poltrona - agora transformada em trincheira. Em outra hora, outro lugar, seriamos todos um bando de crianças, mas aqui cada um de nós é um demônio faminto.

– alguém ferido? – alguém ferido?

– o #12&35 foi atingido!

– que belo estrago fizeram neste homem aqui!

– alguém o socorra antes que seu coração pare.

– Está tudo bem, está tudo bem, vou levar alguém comigo antes de me deitar.

É o que tento provar mostrando que um estilhaço vindo da trincheira vizinha fez bem aqui e que, incrivelmente não dói mais. Os olhos mudam, os desenhos feitos pela artilharia continuam fortes. Para o inferno, meu riso denunciou minha posição e agora sou alvo de olhos que não conheço, cruzo as pernas no meu mais sem jeito, eu - o que de fato gosto e penso: “mas porque diabos não levanto esta bunda de pouca carne deste sofá e minto que sou um cara legal?”

2

Olhar para uma garota num bar e imaginar que talvez ela tenha uma vida emocionante vem se tornando difícil a cada dia. Não que elas não tenham milhões de planos escondidos sob a pele – é bem provavel que tenha dias incriveis até, mas com o tempo a procura se tornou um ato repetitivo e você sabe que é inútil porque não é o que elas querem. Elas não querem que você escave e descubra seus segredos. Entenda de uma vez por todas:

- rapaz, elas não querem ser salvas.

Mulheres gostam tanto de jogos quanto homens. A gente sempre começa um dizendo não querer chegar a lugar algum, mas ninguém, ninguém sai de casa sem ter o destino desenhado na cabeça. O flerte é a única competição em que perder significa ganhar na maioria das vezes. Você não imagina como é fácil fazer uma mulher tirar sua calcinha, o problema é o que vem depois. Para a maioria delas, você pode ser oco como um ovo de páscoa de cinco contos que elas não estão preocupadas, pelo menos não agora, contanto que você pareça bonitinho ou charmoso o suficiente para que dê a entender que ali atrás da pose mora um homem complexo cheio de perguntas e respostas. Mas pensar nestas coisas, só nos ocorre no dia seguinte quando o álcool já desapareceu e estamos ali numa cama que não é a sua.

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Até chegar aos vinte anos, morando numa cidadezinha estúpida, achava que sexo era como ir à igreja, existiam os que faziam o tempo todo (e se encarregavam de contar seus feitos) e os que nunca faziam. E nessa dos que faziam o tempo todo, a historia nunca era contada na perspectiva de uma mulher. Mesmo que eu tenha visto muito do que é um relacionamento pela ótica feminina da minha mãe, o desejo sexual ainda parecia um ato masculino. Palavras como tesão, masturbação e gozo, a existência de um falo ereto dentro das calças, situação que nos denunciavam como doutores da reprodução da espécie, era condição para que se as mulheres quisessem ter filhos, teriam de lidar com essas coisas ai em cima. Uma frase como “hoje eu tenho de comer alguém” tipicamente atribuída ao homem e seu falo esconde na verdade um garotinho inocente e mal instruído sobre o que as mulheres querem em cada espaço aberto entre essas palavras. O fato é: Não passa pela cabeça da maioria dos homens “médio” que mulheres também tenham vontade de trepar “só por estar afim de trepar” com alguém que acabaram de conhecer. De onde eu venho, uma mulher que se mostra explicitamente a fim de trepar com você pode significar que ela espera flores no dia seguinte. E café na cama. Quantas vezes meu amigo você não ouviu alguém dizendo “mulheres não fazem sexo, fazem amor...”. A jogada é tão baixa e está tão cravada no inconsciente popular que até outro dia caia nessa de falar “amor” para trepar quando estava trepando com alguém que eu queria mais que uma ou duas noites de sexo. E dizia inconsciente da vergonha que sinto hoje. Comeu? Virou namorada. Deu? Sua Vagabunda. E claro, quanto menor a cidade, maior a probabilidade que ela ganhe um alfabeto de “palavras estúpidas” sobre o fato de ter ido para cama com alguém só por vontade.

Outro fato interessante sobre pessoas perdidas por ai na noite é o incrível numero de relacionamentos que começaram sem que as partes envolvidas tenham dito uma frase interessante sequer, apenas estavam ali e de repente foi. Foi tanto que não conseguiram voltar e acabaram ficando pra sempre. Como isso funciona, não sei, assim como não sei por que passo tanto tempo cultivando uma aura ao meu redor quando ninguém consegue ver e se conseguem ver não estão interessados. Bem, tudo é sempre sexo ou sobre sexo com pessoas solitárias com uma auto-estima do tamanho de um dedal.

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Fulano de tal, um cantorzinho mulherengo (que aos vinte e seis anos de idade não consegue ao menos pagar o aluguel sem ajuda dos pais, mas essa parte ninguém precisa saber) que se orgulha de ter uma canção para cada dia do ano e para cada mulher de sua vida. Eis um cara daqueles que se diverte deixando mulheres apaixonadas por ai ou alimentando paixões impossíveis só para ter sobre o que cantar e reclamar da vida. Vive lendo um monte de escritores que mal consegue pronunciar os nomes direito e diz que isso não importa porque quem cita nomes são enciclopédias e não pessoas. Odeia hippies, adora hypes, embora goste de Caio Fernando Abreu, um escritor incrível morando dentro de um hippie sujo. Ele também escreve sobre quase tudo que existe de supérfluo e irrelevante. É claro, deve ter uns três livros guardados em seu computador, textos ruins e tão obsoletos quanto o uso da palavra obsoleto num texto. Acha que as pessoas se importam com o que ele produz, se acha relevante e tal, mas tudo se passa ali em sua cabeça e dentro dela é fácil acreditar que estamos falando de um homem incrível. Usa seu nome composto, mas quase nunca o chamam assim. Sua mãe foi esperta quando separou seu nome em duas palavras, três com o sobrenome, e sem querer criou uma manha para que o filho possa parecer mais interessante, quando na verdade é só um cara com um nome legal fazendo pose com um copo meio cheio nas mãos. Todo mundo o vê, mas ninguém arrisca contato imediato. É claro, como todo homem de Deus, se encarrega de alimentar suas próprias lendas pessoais, uma para cada ano de sua vida pelo menos, todas incrivelmente confirmada por sua maior fã, a mãe. Enfim, você passaria uma noite incrível com ele, talvez um mês, mas duvido que consiga agüentar um ano.

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- Ela é só mais uma garota com grandes tatuagens e um vestido fácil de tirar. Se eu quiser, realmente quiser ela cai, um minuto olhando para suas coxas e já sei por onde começar. Tudo isso fica aqui, na memória, enquanto olho estas mãos vazias e covardes. Quando estou bebendo, fazendo meu melhor sorriso para a trincheira vizinha a vida parece ser de plástico, um comercial de TV cuja o plástico foi derretendo e aos poucos o que fica é um esqueleto com veias verdes. Ainda bem que ninguém aqui quer nada, nessa altura da vida, nem eu, nem você suportaríamos rejeições, mas estamos todos ali com todos os dentes em dia. Se eu realmente quisesse, aquele vestido não teria me detido. Todos os nossos fantasmas estão se divertindo em algum lugar, brindando a uma vida que não nos pertence. Nós estamos todos aqui na guerra, com as baionetas em riste, dando o melhor para que o exército vizinho caia de quatro pela beleza das nossas cores, estrelas, listras, etc.etc.etc. Eu queria um pouco de ação, uma metralhadora foi feita para atirar e hoje eu deveria atirar em alguém. Mas se realmente quisesse, já teria feito.

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Agora estou aqui, dia seguinte sem conseguir dormir e me recuperar, culpando-me por deixar as chances de lado. Obviamente as possibilidades geram outras historias e a gente cai nessa de teorizar sobre amores possíveis como tias velhas cultas que estamos virando sem notar. Seios e pintos murchos, cabelos brancos, manchas feias pelo corpo, essa ferida que não quer fechar. Cada dia é com razão um dia a menos. – O que aconteceria se eu tivesse encontrado você enquanto estes olhos aqui disparavam contra os olhos por trás do vestido inimigo?

A maior parte da diversão intelectual consiste em flertar com o desconhecido como nos filmes de ficção cientifica. Você vê algo que o instiga, talvez até queira tocar, saber como é estar ali dentro, forçar uma abdução, mas no final volta pra casa e guarda tudo dentro de si porque no fundo você sabe que se resolver contar a alguém, provavelmente passará por charlatão.