Sabe quando você não tem nada pra fazer e num principio louco resolve organizar seus discos ou seus livros de maneira “autobiográfica”? explicando: pegue seus discos e tente colocar não apenas na ordem em que foram comprados mas ligando-os a uma passagem pessoal, tal disco foi comprado quando estava namorando com tal pessoa.
Andei pensando em tentar criar uma ordem entre as minhas cento e poucas canções escritas aqui no meu PC. Poderia dividir inicialmente em canções gravadas e não gravadas e partir disto para explicações mas haveria falhas de ambos os lados já que minha vida de gravações começa em março de 2004 e lembro de esboços de canções em 1999.
Então vou tentar colocar uma ordem por lembrança e ver o que acontece.
PARTE 1
A primeira canção que lembro de ter escrita foi “seres vivos” em 1998. Antes disso apenas canções em inglês sem poesia alguma. “seres vivos” era a primeira tentativa de escrever algo serio. Versos como “já vai embora, não perca mais tempo, não espere pra ver o que vai acontecer” ou no refrão final “somos seres vivos, somos os únicos que pensam, somos diferentes dos outros, somos normais” eram quase plágios da primeira fase da legião urbana. tosco, ingênuo e 16 anos na cara. Não me lembro de ter escrito para ninguém, porque ainda não havia ninguém na minha vida, apenas flertes, o relevante nesta canção é o fato de ela ter ganho um festival na minha cidade. Uma musica sem refrão, com quatro minutos, três notas e uma gaita de boca que aparecia no inicio e no fim, pronto, ganhamos. Foi a primeira apresentação minha em publico, nunca havia tocado na frente de ninguém. Depois dessa vieram “soturna”, “heróis” e “sempre ao teu lado” entre outras que vou citar já em 1999.
1999 foi o ano mais louco da minha adolescência, o primeiro que virou tudo, outros anos viriam a mudar tudo, mas esse foi o primeiro. Primeiro eu fora diagnosticado do hipotireoidismo o que me livrou primeiramente da culpa pela obesidade já mórbida aos 16 anos. Depois de tratada a doença, me livrei de quase 40kg, 127kg para 90kg em pouco mais de 3 meses. Depois vieram as meninas, a Juli por ex ajudou a gerar 2865843 milhões de canções. nenhuma dessas chegou a fase de gravações quase 5 anos depois, mas como grande influencia em mim, Juli ganhou a dedicatória no primeiro disco. É para ela o titulo do disco “quando todos os barcos encontram o porto” um poema sobre a nossa relação muito mal resolvida. Em 1999 me tornei integrante da Julian trip, uma banda hippie muito influenciada pelo grunge e que sonhava em fazer rock com violões. Os talentosos da banda eram Lucas Messias e Diogo, o gordo. Esses caras eram muito bons em seus instrumentos, respectivamente guitarra e bateria. Gordo tocava trash e coisas mais pesadas que trash e entrou na julian trip pra tentar umas coisas novas, usar atabaques e outros instrumentos malucos de percussão. O Lucas era o gênio da cidade, o cara que influenciava todo mundo, que tinha discos do blind melon, ouvia coisas antigas, que tocava blues de raiz e tinha idéias de melodias próximas do progressivo do pink floyd. Ele resolvera montar a Julian junto de seu amigo André strapazzon que na época era um hippie adolescente que achava jim morrison e eddie vedder o maximo. O primeiro contato que tive com estes foi no cefet, um eu odiava de cara (lucas), o outro tinha discos que eu não tinha. Em 1999 eu havia deixado de ser apenas um nerd, era o outro menino que fazia canções, competindo com lucas, andré e mudo, o menino que tinha uma banda “famosa” na região, a molislips, de hardcore, skatecore, essas coisas, embora me lembre muito bem de que mudo já havia se apresentado no dia dos namorados de 1999 tocando a baba “fácil” do jota quest.
Eu era o cara que havia se apresentado no primeiro dia de aula com uma musica de mais de 5 minutos (“soturna” era a canção) e depois do quinto minuto algumas pessoas começaram a vaiar, e nessa época meu disco preferido atendia pelo nome de the bends, onde os finais sempre eram a melhor parte da canção e essa canção, a de 5 minutos tinha uma frase esperta: “e se tudo acabasse agora? E se você não fosse mais embora? E se tudo não fosse uma historia soturna?” pelo menos é a única frase que lembro dessa canção, essa e uma outra que terminava com “imaginação faz crescer pelos nas mãos”. Só fui convidado pra tocar na julian trip no segundo semestre do ano. Na verdade foi meio por osmose, eu tinha um violão folk que havia roubado de meu pai, junto com discos de neil young e jimi hendrix e isso os interessava, alem de ter escrito duas canções que todo mundo por ali gostava: atrás da porta e o hino adolescente “toque de recolher”.
O engraçado é que o primeiro ensaio da julian trip foi inesquecível para mim, foi no dia que a cidade acabou. O temporal havia sido feio na nossa região, eu estava sozinho em casa, meus pais viajando e confesso que tirando o vento, não vi mais nada, talvez um pouco de granizo, mas no dia seguinte minha casa estava destelhada, mas como não choveu naquele dia, ninguém notou. Lembro-me de ir a aula e o ônibus ter de desviar arvores por todo o percurso. Sai de casa com amplificadores, microfones e violão de baixo do braço, não tinha a menor noção do que havia acontecido, só quando cheguei à escola e vi o telhado do pátio quase que todo no chão entendi. Isso foi uma semana antes do meu aniversario de 17 anos.
À tarde fiz meu primeiro ensaio com músicos de verdade, Lucas e gordo eram músicos, o único baterista com uma bateria de verdade que conhecia. Alias, o cara era tão bom que tocava com cabos de vassoura como baquetas.
Toque de recolher era a primeira canção e foi a canção que sobrou na historia da banda, gravada pela formação de adolescentes de 16/17 anos que achavam que eram realmente relevantes. Em 2000 eu já havia gravado uma canção para o festival da rede globo, “sempre ao teu lado” uma canção sobre brigas de família e que acabaria sendo rejeitada na segunda triagem, mas que me colocou em contato com um produtor (marquinhos alguma coisa) e um outro rapaz que tinha uma gravadora local, para a surpresa de todos os roqueiros. Essa gravadora era responsável por discos de musica sertaneja local e musica gaúcha e quando fui registrar a canção nos autos do selo, ele me contou da idéia de um disco com bandas de “poprock” da cidade. Eu como adolescente feliz achei tudo massa e tratei de contar para a julian trip e la fomos nós gravar nosso hino. Nós quatro, mais rafael “soso” no baixo e astir na guitarra. Esses dois acabaram com a canção. De uma canção inconformada que era levada aos gritos por andré e eu, virou uma espécie tosca de eagles. O riff feliz que astir colocou na canção deixou a canção boba, sem peso, sem historia. E o baixo gravado por ultimo seguiu as guitarras. Enfim éramos todos crianças e 150 reais depois estávamos no disco.
Quando ouvi outras bandas do disco e graças a deus não éramos as piores fiquei feliz, na verdade talvez fossemos a terceira ou quarta melhor entre doze, nada era melhor que camonha, uma banda da cidade vizinha, e eles fizeram o som que a gente inicialmente queria fazer, sem guitarras, violões, etc. Não escondi a frustração de não ter gravado algo serio como “atrás da porta” uma canção sobre um menino que tentou suicídio e acabou paralítico. Pelo menos era sobre isso que eu cantava. Escrita por mim e creditada a andré e eu, porque andré tinha escrito um poema que continha a frase “estrada mal contada” e eu tinha colocado “historia mal contada” na letra. Essa canção foi por muito tempo a canção mais forte da cidade, mesmo que muito pouca gente tenha ouvido ela como a gente queria que ela fosse, “levante seu corpo, enxugue seu rosto, segue em frente vai pra longe daqui” o refrão era pesado pra garotos que como no meu caso ainda não tinham experiência alguma.
A banda acabaria por ali mesmo desse jeito pra voltar no fim de 2000 como uma banda de rock pesado já sem andré e gordo, mas nada das canções dessa fase chegaram a ser gravadas, cinco ou seis canções eram tocadas nos shows, a única que me lembro dessa fase é “do mundo” porque eu gritava numa parte, o que me levou a ser expulso da banda pelo baterista porque eu gritava demais. Toda vez que penso nessa historia digo que queria encontrar esse cara pra saber onde ele anda, mas nem o nome dele eu lembro. Ah, há uma demo de heróis, canção de 1999 gravada em 2000 no aparelho de som do baixista Bruno Rampi. Até hoje queria saber que fim levou essa fita porque pelo que me lembro essa canção era muito boa.
PARTE 2
A julian trip acabou pra valer só em 2001, acho que logo que fui saído da banda e esta se tornara um banda de blues. Eu queria ser uma alternativa, encontrei o emanuel pimentel que tocava na molislips e gostava do tipo de som que eu queria fazer, muito embora nem eu soubesse o que queria fazer, assim nasceu a lo-fi dreams o nome pelo qual assinava minhas letras com bruno que era baixista da julian. As duas primeiras canções da lo-fi dreams foram “admirável mundo novo” e “escuro”. essas duas eram pesadas e lembravam algo entre o deftones e o silverchair. Tocamos numa festa de aniversario de um primo, 2 canções e eu lembro de mim tocando Rage agains’ the machine, da pra imaginar eu com essa mão esquerda bichada tocando aquelas guitarras virtuosas? Agora em 2007 eu passei um tempo na casa da minha mãe e vasculhando milhões de cadernos achei a letra de “escuro”. Ai reescrevi as frases que não faziam mais sentido, coloquei um tom de perda do amor e tcharam um mês depois ela viraria a faixa oito de “giancarlorufatto”. A outra canção não posso mais tocar por causa da pitty, depois que ela usou “admirável mundo novo” como influencia para letras, qualquer outro cantor com essa referencia passará vergonha.
A lo-fi dreams como banda não iria muito longe em 2001, não chegaria a 2002 na verdade e eu já não queria tocar aquele tipo de som, eu tinha canções de mais, umas trinta no final de 2001 e não conseguia gravar nada. 2002 foi um ano tenso, foi o ano que eu desisti de bandas de rock, briguei com amigos, li milhões de livros, me apaixonei por um milhão de meninas e fiz milhões de canções. muitas delas gravadas em versões moderninhas em 2004. mas a maioria das canções de 2002 não passaram de demos gravadas no aparelho de som, não tinha computador em casa, me virava com a guitarra e um teclado casio emprestado e que depois seria devidamente roubado (e depois desapareceria sem deixar vestígios aqui em curitiba, acabando com minha fase “tecladinhos”).
Tenho um segredo pra contar, varias de minhas canções gravadas em 2005, 2006 e até em 2007 já haviam sido esboçadas em 2001, 2002 e 2003. Acontece que ai eu conhecia alguma menina precisava impressiona-la, então ia nos meus cadernos, olhava as letras ainda sem melodia, mudava umas frases, direcionava cada palavra para que a pessoa pensasse que aquilo havia sido escrito ontem a noite, mas a maioria dos versos tinham pelo menos seis meses de caderno. É, e elas caiam nisso. Júpiter por exemplo, gravada no meio de 2004, ganhou duas frases dias antes da gravação, as frases que viraram refrão e uma outra “chegarei em casa antes que ela sinta falta do abajur que eu quebrei”. Ficava obvio que essa frase esta ali pra que determinada pessoa ouvisse ou lesse a letra e pensasse “nossa vida está ali” hahahha, e era só essa frase, todo o resto já existia desde 2002.
Todo mundo faz isso, principalmente quando se compõe muito. Quando voce se sente uma merda, geralmente as canções soam melhores, é como blues com fome, sem fome não tem tristeza e não há coisa mais triste do que ter fome, já pensou num passeio pelo mercado? Não ter dinheiro pra comprar qualquer coisa pra comer? Então musicas boas são aquelas geradas pelo coração faminto. Ou aquele coração que teve uma bela refeição ontem a noite, mas será a única refeição por dias e cada pedaço dela (da refeição) trará uma lembrança um sensação diferente. Quando se está feliz, acomodado, as coisas não saem, não adianta, se nada o incomoda não sai nada. Pode até ser algo mais grande como o governo ou a falta de água no bairro, mas tem de ter algo lhe irritando. Quer um exemplo pratico? Ano de 2006. gravei meia dúzia de canções em um ano. Todas as canções tinham endereço certo: Grasiela Piasson. Fiz umas cem canções para ela. Gravei quantas? Seis. E por quê? Porque a gente brigava, acabava e voltava no dia seguinte. E foi assim até eu resolver que não queria mais ela já em 2007. Quando outras meninas entraram na minha vida, todas as composições afloraram, porque toda vez que alguma coisa com essas meninas/mulheres/crianças me irritavam, era nas canções pra grasie que eu pensava, tanto que costumo dizer que não namorei com ela, foi outra coisa, outra historia, uma doença, uma influencia, seila.
PARTE 3
Voltando a 2003, após passar todo ano de 2002 em casa, resolvi voltar a tocar com o emanuel, as musicas estavam mais legais, canções como “lounge” era experimentais e barulhentas, haviam ainda “como vai ser” e “não” que eram pesadas por o mano era o baterista. Ainda havia “tão distante”, canção escrita para uma amiga, em 2002/2003, um desses anos. Ela tem uma copia da letra escrita num vinil. Essa canção é claramente influenciada por jeff buckley, a primeira de varias canções que seguiriam, mas tirando as execuções nos ensaios e o fato de eu ter tocado essa canção num show no inicio do ano de 2007, pouca coisa foi feita dessa musica que ao lado de outra canção da fase de ensaios na casa do mano, nunca foram gravadas. “um abrigo” para mim é a melhor canção que já compus. Fiz em 2002 e fala sobre meus avós. Logo que meu avô morreu em 1998, um tio foi morar com a família na casa dele e cuidar de minha vó, a fantástica dona Santa. Ele ficaria morando com ela até 2002 e depois disso inicialmente os netos e os filhos se revezavam dormindo um dia (ou semana) cada um. Eu fui poucas vezes já que estudava a noite na cidade vizinha. Mas passei um final de semana com ela que me lembro muito bem, não do fim de semana, mas do que ela disse. Perguntei a ela do que ela sentia falta do meu avô e ela respondeu entre outras coisas que não se sentia triste por ele ter morrido, ela ficava triste de não ter morrido com ele. Deve ser a parte católica que acredita que o morto está em um lugar melhor em contra oposição ao coração que não acha justo ter sido abandonado. Isso ficou na minha cabeça por semanas até que consegui colocar isso numa canção e disso saiu “um abrigo” que guardo a sete chaves, nunca gravei, nunca toquei ao vivo, nunca ninguém ouviu. Mas tem uma frase que me pego pensando toda vez que termino de toca-la aqui no meu quarto “quando não tiver pra onde correr, nem força para quebrar as ondas... e já não puder andar sozinho...espero ter em quem me agarrar... espero ter um abrigo... quando minha vista escurecer... quando seu sorriso se fechar... espero ter, um abrigo...” um dia, um dia eu gravo essa canção porque meus avós merecem.