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:)

nossos trinta dias sobre o sol (parte 3)

Eu fui uma criança feliz. Sempre dizem que eu estava sempre rindo, eu era o gordinho risonho que existe em toda turma da escola, na turma da rua. O filho único que ficava sozinho das treze e quinze da tarde até as sete horas da noite, em media. Na época em que minha mãe foi morar com meu pai, eu aceitei numa boa a presença masculina dele porque até então, meu avô era o homem da casa e o pai era engraçado, fazia “aviões” comigo, sabe? Te levantar e ficar fazendo malabarismos com a criança? Eu adorava, isso, o fato dele ser goleiro num time de futebol e andar no fusca que ele tinha. O problema é que ele passou um grande tempo desempregado, na verdade não desempregado porque tinha a terra junto com o pai dele e seus irmãos, mas os anos oitenta não foram gentis para com os agricultores, tanto que muitos largaram a terra e foram morar na cidade, incluindo o pai dele. A mãe dele morrerá de câncer antes de eu o conhecer ou de a minha mãe o conhecer. Engraçado como em umas fotografias velhas de carnaval que a mãe guarda, ele aparece dançando ao fundo, isso uns dois anos antes de se conhecerem, e bem, não encontramos com pessoas que fazem aniversario no mesmo dia que a gente todos os dias. Foi pra eles que eu escrevi “ao seu lado”:

ao seu lado.

Meus olhos fecham. E os seus tão abertos.

Tão acostumados com o que vem.

Do alto...do alto.

Sempre atento eu me espelho nos teus erros

Sem ver a verdade no que me tem,

Sempre ao teu lado.

Sempre ao teu lado.

Eu me rendo, me escondo neste quarto escuro.

Feche os olhos, baby esqueça do meu mundo.

E de todo mundo que já te esqueceu.

Figurantes, pratos brancos na estante.

Retratos e maus tratos, não de esmolas para os fracos,

Eu pareço ser ingrato quando fujo dos teus braços,

Mas entenda, se eu sou assim.

Entenda...

Me deixe no meu canto, não preciso de ninguém,

Nem da sua atenção,

Vamos começar de volta,

Mas desta vez, até fim.

Sempre ao teu lado.

Sempre ao teu lado.

Escrevi sobre uma briga feia que eles tiveram, das varias, aquela que fez minha mãe se separar dele por algum tempo. Nunca esqueço dela me dizendo que quando eu fosse adulto, eu iria entender porque ela o amava apesar dos defeitos. Sei que a gente não escolhe alguém pra passar a vida, vinte anos juntos, e larga tudo por qualquer besteira, mas dessa vez, nesta briga, foi a ultima vez que eu tomei partido e houveram varias outras. O que realmente descobri nos últimos anos é que fui o pilar de varias das discussões entre eles, não queria, eu juro, não queria. Queria que olhassem pra mim e vissem um homem a altura do que eu penso ser, mas eles, principalmente minha mãe só acredita em algo de bom que fiz, quando o dinheiro entra ou alguém me elogia publicamente. Após todos esses anos é difícil aceitar que me conheçam tão pouco e bem, a culpa é minha e nisso eu concordo com eles.

Hoje é o casamento do meu primo, o casamento que vai decretar o fim da infância da minha geração, Rodrigo se casou, vamos todos guardar os brinquedos e preencher talões de cheques, a infância acabou. Não trouxe terno, cintos, sapatos e não tenho nada que me sirva alem do que já citei há pouco. Não importa não queria mesmo ir ao casamento e ver todo mundo ali com sua mulher, todo mundo ajeitado ou casado. Eu? Eu larguei minha namorada há um mês. Mas isso agora não importa, estou em casa e todo mundo me ama.

Ganho um terno novo, numero 42, camisas, mas esqueço do cinto e do sapato, então, como habito em festas de família, estou de allstar no casamento, “o roqueiro voltou”. Tenho tanto ódio de ser chamado de roqueiro quanto tinha quando era chamado de gordo, gordo eu sempre fui, era, sou, sei la, roqueiro eu nunca fui, “voce gosta de roque pauleira né?” “tia, vai tomar no meio do seu cú peidorento!!!”, um dia eu ainda digo isso e nunca mais ganho bolo. Dou uma volta pelas ruas centrais, que se resumem a quadras em forma de um 8 e muitas pessoas agem com espanto a minha “magreza”, elas ainda guardam na memória o menino que já pesou 127kg aos 16 anos e hoje pesa cinqüenta quilos a menos, graças a deus. Quando voce melhora não quer apenas dizer que voce melhorou visualmente, quer dizer que os outros pioraram. Fico feliz por isso, todas essas meninas que não me davam atenção agora olham e ficam comentando, sei disso porque os banheiros são de paredes estreitas. Ok, mas ainda sou pobre então, nada de mulheres fáceis nesta cidade, então minha companhia para esta noite é a maravilhosa dona Santa, também conhecida como minha avó.

Descobri que tenho três discos que ainda gosto na casa dos meus pais: o acústico da legião urbana, no qual adoro ouvir Renato Russo falando, falando, falando. atchung baby do U2 e uma coletânea de b-sides do pearl jam. Alias melhor que os discos da banda, com exceção do no code, único disco que ainda ouço da minha infância. Pedi umas coletâneas piratas do bob dylan para um amigo, estou precisando de colo. Não trouxe meus discos porque não trouxe nada. Eu até cogitei trazer meu pc, meu hd, enfim, meu coração virtual, mas se eu tivesse trazido pra cá, vocês não estariam lendo este texto. Minha mãe adora u2. Na verdade ela diz adorar, mas não consegue distinguir uma banda da outra, são todas “do tempo dela”. Na idade que eu escrevo agora, ela já não tinha vida pessoal, já tinha este menino grudado na barra da saia, estragando planos, namoros, vidas.

Quando esta chovendo.

Eu penso em meus brinquedos. Em amor, em desperdício.

Dias que não tínhamos nada, nem dever de casa pra fazer.

Em todos os sonhos que não conseguimos realizar.

Eu penso, eu penso.

Eu penso na chuva que cai lá fora e nas vezes em que eu rezava pra que ela fosse embora daqui.

Eu penso em meus amigos vivos, em filhas e filhos, gente que o tempo se encarregou de levar. Quem está perto, quem está longe.

Todas as mentiras que eu inventei só pra me divertir,

me iludir, enquanto os dias passavam devagar.

Eu penso.

Eu penso.

Eu penso em você e em todas as coisas que eu deveria ter dia a você, ha. algum tempo, ha. algum tempo.

Acho que nunca mais teremos uma nova chance e um dia perfeito, como aqueles que a chuva quis apagar. Apagar.

Eu recomendo a chuva desta cidade.

Sinto que perdi muita coisa nesta cidade. Meus amigos tornaram-se distantes e vazios. Resumem-se a trabalho, casa e quiosques. Tenho pena de uma menina em especial, nunca tive nada com ela, provavelmente porque eu nunca disse querer, mas em algum momento, ambos já pensamos em resolver nossos problemas diminuindo o numero de roupas. Eu a abraçava com tanta vontade que sentia facilmente seu coração, não sei se havia ou não ingenuidade, da minha parte sim, pois nunca ameacei perder a companhia desta garota por causa de beijos ou sexo. Acontece que mesmo assim, eu perdi. Ela não é mais a mesma, eu a conheço há mais tempo que qualquer outra pessoa na minha vida (que não seja um parente), mais de quinze anos para ser exato, pode até ser ciúme da minha parte, estar me sentindo trocado por outras pessoas que a conheceram ontem. Sinto um distanciamento em tudo que ela diz e faz, não sei, simplesmente há algo nela que me entristece. Sinto que está tudo se esvaindo sem que ninguém perceba, porque seus amigos são tão medíocres que nunca notariam a falta de um dedo em alguma de suas mãos, quanto mais em se tratando de energia de vida. Sinto muito mesmo e se hoje há esse silencio entre nós, boa parte da culpa é minha, que sumi e a deixei nesta cidade pequena, com pessoas vazias.


Ganhei uma guitarra quando meu pai me viu tocando Bob Dylan. Minha mãe havia brigado com meu (pai) padrasto e na tentativa de machucar/ofender ele, me levou pra ver meu pai de sangue. Acho que tinha 11 ou 12 anos, nunca sei a data. Gosto de pensar que ele realmente não soubesse que estava tocando guns n roses e que pensou mesmo se tratar de uma criança arriscando uma versão infantil do bardo. É claro que penso isso hoje, quase 15 anos depois, na época eu não tinha real noção de nada e provavelmente quando tiver 35 vou dizer que quando tinha 25, também não tinha noção. O fato que ganhar uma guitarra de um pai que nunca esteve presente e que todos acusavam de nunca ter feito nada na vida ainda me perturba.

1. porque minha mãe toda vez que me vê insiste em dizer que eu estou cada vez mais parecido com ele?

2. se eu parecer realmente com meu pai, ela não pode dizer no sentido físico já que meu pai tem 50 anos hoje e aparenta ter no máximo uns 40 (se bem que eu não o vejo desde 2002/2003) e eu me sinto um velho desde os 15.

3. vou acabar sozinho? Meu pai tem filhos espalhados por todo esse mundo de deus e nenhum é assumidamente filho. Da minha mãe, sou filho único e do meu pai? Sou o décimo?

As vezes me pego pensando nele, imagino quanta magoa ele deve ter de mim, porque nunca me aproximei dele, sempre fora um estranho, aquele tio que voce vê a cada dois anos em reunião de família. Então, meu pai é um tio. Acho que se somar todas as horas que passei com ele não dará uma semana e nas vezes em que fui a casa dele, roubei: um cd do Neil Young, um do Hendrix e um do Dylan. E roubei o Dylan porque ele gostava muito, não porque eu queria, minto até hoje a ele (se eu o encontrar) que estes discos não estão comigo.

4. eu sou uma pessoa má? Eu tenho pena por ele não saber a sensação de ter um filho arrumando o café da manhã, ou um filho lavando a louça. Eu nunca abracei meu pai. Não me lembro de ter abraçado sem aquela frieza que só uma criança maligna poderia ter, mas isso é na inocência. Minha ex-namorada conheceu seu pai com 23 anos e ela se sente muito feliz por isso. Já eu? Eu digo que nunca senti falta, porque tive meu padrasto, esse sim, pai de verdade.

5. faço tudo pra não me parecer com ele e minha mãe ainda diz que pareço? Que droga ein. Ela sempre me acusa de segui-lo inconscientemente, me acusa de perder tempo com musica assim como ele perdeu a vida toda. Ele gravou um compacto ou dois com os irmãos, isso lá nos anos setenta ou no começo dos anos oitenta, não sei, eu nunca ouvi. Reza a lenda que eu quebrei o vinil, eu juro de pés junto de que não fiz nada, mas lembro de ter visto o disco quebrado.

Será que eu sou uma pessoa má por agir assim com uma pessoa que não significa nada na minha vida? Até ex-namoradas fazem mais efeito sobre a minha vida do que ele. Gosto de saber que fim levou meus amiguinhos de infância, ou então as meninas que povoaram meus sonhos de adolescente e de meu pai? Meus irmãos? Será que eu deveria ir atrás deles? Será que é isso o que me falta?

Chocolate e flores.

Não me entregue aos teus erros, se este é o peso, o premio que você herdou.

Sinto muito, mas é a porta errada e sim me orgulho que de você, eu não tenha nada pra contar.

Não me interessa o quanto andou, por esta terra de Deus, não levamos nada alem de rancor. Seja velho ou morra. É o que todo mundo faz.

Não existe uma lembrança para cada ano do meu peito e o pouco que eu tenho, foi ela quem me ensinou. Então agora você vem, trazendo chocolate e flores, querendo parte no que eu não sou. Sinto muito, mas é a porta errada.

E não me interessa o quanto andou, por esta terra de Deus, não levamos nada alem de rancor. Seja velho ou morra. Como todo mundo faz.

Hoje é domingo.

Meu violão incomoda todo mundo. Vou lá pra fora encontro um lugar entre as arvores que me proteja do sol e começo a tocar. Nunca consegui cantar como realmente queria nesta cidade, o fato do vizinho saber quem eu sou me atormenta, não quero imaginar que ele esteja dizendo há alguém “o filho do vizinho está cantando...”, a falta de prestigio das pessoas dessa cidade é incrível, tudo é medido pela ostentação como em qualquer outro lugar, mas, fico pensando porque eu vou a cidade ao lado tocar e nem cogito tentar fazer um pocket por aqui. Mais à tarde, meu amigos surgem aqui em casa. Dois irmãos. A diversão do domingo é um “show de acrobacias”, no posto de gasolina há duas quadras da minha casa. Foi voltando deste posto, que eu e estes irmãos fomos espancados no carnaval de 2004. Tenho poucas lembranças deste dia, na verdade só duas não me saem da cabeça: ramonesmania, disco do ramones que comentávamos pouco antes do acontecido e eu desgrudando as pálpebras que haviam grudado por causa do sangue. Eu levei um chute no olho quando me abaixei para pegar meus óculos. Então não sei quem me bateu até hoje e então todo mundo que esta neste show que não conheço pode ser um possível inimigo. Foi neste lugar que encontrei a amiga que citei agora a pouco. Ela me beija, abraça forte e logo depois desaparece. Parece que estou descrevendo meus relacionamentos, mas é apenas um contato casual entre amigos.