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1807

Em 1806 as pessoas eram diferentes. Não tinham todo esse pessimismo que hoje parece tão anos 90. Nessa época ninguém se preocupava com bandas de rock, com a opinião publica, com cinema, ninguém precisava ser legal e bem, pessoas legais não duravam muito. No ano que nasci, 1781, você teria sorte se não morresse de alguma peste, dessas que mataram metade dos pintores e escritores desta época. Mas eu sobrevivi, talvez porque não sei pintar ou então, como diria Maquiavel, não cantava bem.
Depois de varias convulsões e cuidados excessivos para com este sonhador nascido nos arredores de argile noire, vilarejo que viria a se chamar le colonel vif, a vida se tornaria pálida e longe dos grandes incêndios existenciais que sempre sonhei, basta dizer que nunca aprendi nadar, por dois simples motivos: numero um: nunca me deixavam entrar em rios, por mais rasos que fossem; numero dois: ganhei bóias de braço com dois anos de idade e então a vida tornou-se fácil. Em 1794 me apaixonei pela primeira vez, desde então todas as bóias e salva-vidas deste mundo não impediram de me afogar. 1799, apaixonei me como nos livros. O mundo iria mudar, veria o século com outros olhos, e para isso, escolhi a mão que seguraria a minha para esta hora, não seria difícil, apenas não ficaríamos assustados, afinal, todos os corações haviam se partido e/ou secado após a santa inquisição que varreu os corações puros dos amantes. Mas o meu continuava achando brechas na parede que por culpa da minha mãe havia se erguido. Voltei a me apaixonar em 1802, a moda era o cinismo expressionista, mas como nunca me importei em estar fora de moda, invoquei Werthe e me apaixonei por uma menina que nunca cheguei tocar. Nunca. E para ela fiz meu melhor soneto.
Desisti do amor até agosto de 1805, foi no fim desse mês que meu peito gritou para o resto do corpo “é ela” e eu não fiquei em silencio. O grande problema desta vez? Ela não queria estar nos meus cânticos. Preferia estar por ai, aproveitando os últimos segundos de uma juventude que seu rosto de boneca proporcionava. Aceitei todas as condições que o “amor” inicialmente pedia, sem questionar, por mais que este me roubasse as forças diariamente, ali estava eu sentado no chá da nossa ilusão, todo dia as cinco da tarde. Pisava em ovos, contava silabas e palavras que pudesse machuca-la, achava sempre que a vida havia sido dura para com ela e eu, não poderia ser mais um fardo.
Passado-se um ano ou talvez mais, não existia mais nada que pudesse sugerir ou forçar um estribilho , a boca secava, beijos quentes não mais existiam, apenas o encontro de bocas cansadas, seres que rezavam a noite para que a gripe ou alguma peste mudasse as coisas. 1806 fora um ano difícil, mas a imaginação tornava tudo tão mais tranqüilo. De repente me vi sorrindo e notei não pensava mais nas pessoas que morreram, apenas saia e pensava, sem grandes arroubos, o absinto fazia bem aos pulmões, mas não aos planos. Voltei pra casa de meus pais dia 23 de dezembro de 1806, nada mudara, apenas uma casa com um quarto com poucos moveis, o espaço deixado pela falta das minhas coisas agora 400 km a noroeste das paredes com sinais do mofo que a inundação de 1803 trouxera. Graças a Deus não morava mais ali e não sentia remorso nenhum em dizer que odiava tudo q aquele lugar me lembrava. Toda vez q voltava aos velhos baús, encontrava cartas, poesias, cantigas escritas nestas outras épocas em que o mal do século me estuprava com esperança. 1794, 1799, 1802, 1805, todas essas datas guardam semelhanças entre si, provavelmente seja culpa minha que isto aconteça, que eu sinta esse pouco requinte nos meus relacionamentos com o passar dos anos. Enfim, estes anos estavam num baú e em nada se pareciam com este que aqui estava, não triste, apenas cansado. Voltei a minha casa e a vida que já levava e mantive relações com minha antes paixão, agora uma lembrança de como meu coração costumava ser, que de época em época insiste em perder o prumo.